CURITIBA, PORTO ALEGRE, SÃO PAULO, RIO e RECIFE - Portador do vírus HIV há dois anos, Carlos, de 40, tentou em abril fazer um exame essencial para todos os soropositivos e que determina a quantidade de vírus no organismo. Morador de Recife, ele se trata no Hospital Osvaldo Cruz, mas não pôde realizar o procedimento, que, aliado a outros exames, determina quando o paciente deve começar ou mudar o tratamento. Pela falta do kit de carga viral em vários estados do país, o exame de Carlos foi remarcado para quatro meses depois. "Estou muito preocupado, porque normalmente a entrega dos resultados já demora mais de um mês"
- É uma situação horrível. A médica que me atende é excelente, mas fica sem saber o que fazer. Estou muito preocupado, porque normalmente a entrega dos resultados já demora mais de um mês, e eu devia ter feito o exame em abril - conta Carlos, que, por conta da doença, já contraiu toxoplasmose, perdeu a visão de um olho e acabou tendo que parar de trabalhar.
- É uma situação horrível. A médica que me atende é excelente, mas fica sem saber o que fazer. Estou muito preocupado, porque normalmente a entrega dos resultados já demora mais de um mês, e eu devia ter feito o exame em abril - conta Carlos, que, por conta da doença, já contraiu toxoplasmose, perdeu a visão de um olho e acabou tendo que parar de trabalhar.
Propagado como o país que tem um dos melhores tratamentos de Aids, o Brasil passa, segundo os pacientes soropositivos, por uma crise. Ano passado, o medicamento Abacavir - prescrito para os casos mais graves - faltou em todo o país e houve relatos da carência de Lamivudina em algumas regiões. Agora, a falta de kits para quantificação de carga viral do HIV é um novo capítulo nos problemas que eles vêm enfrentando.
- É um exame que não pode faltar. Há quem precise fazer até três por ano, isso depende do paciente. Mas todo mundo que recebe o diagnóstico precisa desse monitoramento - diz Veriano Terto, coordenador-geral da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia). - No Rio, a gente começou a identificar a falta do kit no final de junho. Em março, tivemos falta do remédio Atazanavir em alguns estados. O que nos preocupa é que são problemas de gestão que afetam o programa de Aids, que de 2010 para cá tem apresentado falhas repetitivas.
O Ministério da Saúde reconheceu a falta do kit e o estoque reduzido e em 12 de julho assinou a nota técnica nº 197/2011. A nota determina quem deveria ter prioridade e explica que em maio de 2010 foi aberto processo licitatório para a compra e implementação da nova metodologia de quantificação da carga viral, mas que empresas que participaram do processo impugnaram a licitação.
Na época, o ministério determinou, por exemplo, que o exame fosse realizado por determinados grupos, incluindo gestantes e crianças de até 4 anos, e que quem não estivesse nesses grupos tivesse amostra de sangue coletada e congelada para ser processada quanto o estoque fosse restabelecido.
- A impugnação da licitação atrapalhou o processo de compra, e há três meses vimos que teríamos maiores problemas. Divulgamos a nota técnica, depois o ministro (Alexandre Padilha) chegou a dizer que tudo estaria regularizado até o fim de agosto, mas conseguimos antecipar e a rede estará abastecida a partir de segunda-feira - diz Eduardo Barbosa, diretor-adjunto do departamento DST, Aids e Hepatites Virais, lembrando que a falta do exame não prejudica o programa brasileiro: - A epidemia está estabilizada, temos 210 mil em tratamento, que fazem exame de carga viral duas vezes ao ano. Mas é claro que o usuário não tem que entender problema de licitação, de distribuição. Tem que ser atendido.
- O fato da gente ter resultado positivo no tratamento tem tido dois lados: as pessoas têm melhor quantidade e qualidade de vida. Mas tem feito com o que o programa não tenha a importância devida, e isso pode levar a um retrocesso - diz Cristina Moreira, coordenadora de projetos da Viva Cazuza. - A falta dos kits pode ter prejudicado a adesão de alguns pacientes ao tratamento. Já é complicado aderir, aí a pessoa fica sem o resultado e pode parar de tomar o remédio. Ficar sem fazer exame ou sem medicamento também gera estresse, e já é sabido que os pacientes têm o sistema imunológico afetado por conta do estado psicológico.
'Tomo Medicamentos Que Já Não Fazem Efeito'
- Em falência terapêutica - quando o tratamento que combate o HIV não dá mais o resultado satisfatório esperado - Mara Moreira, de 35 anos, teve o sangue congelado em julho, no Rio, por conta da falta dos kits que fazem o exame de carga viral.
- Na consulta de maio, eu já soube que ia ter que trocar a medicação. Daí, fiz o exame, mas como não tenho o resultado ou um prazo, fico angustiada. É ruim porque tomo medicamentos que já não fazem efeito. Outros exames apontaram o aumento da carga viral e a troca dos remédios já está sendo prorrogada demais - conta ela, que é professora aposentada e voluntária do Pela Vidda.
Soropositivo há 20 anos, Aguinaldo José Gomes, de 50, conta que se sentiu obrigado a optar por um plano de saúde para "impedir que o vírus tomasse conta de sua cabeça e de sua vida". Vivendo em São Paulo, ele passou dois anos sem saber a quantidade de vírus que circulava em seu sangue e isso o fez insistir no uso de um medicamento que causou um grave efeito colateral: dores e formigamento nas pernas.
- Alguns medicamentos faltam, e é feito o chamado fracionamento. Os médicos pedem o exame de carga viral só duas vezes ao ano, mesmo sabendo que isso não é o ideal. O plano de saúde me dá paz de espírito - diz Aguinaldo.
Ex-garota de programa, C.E.B., de 36 anos, reside em Maringá, e fez o último teste de carga viral em abril. A falta do kit em sua cidade a deixou bastante preocupada: - Quando o resultado da carga viral demorava seis meses para ser conhecido, cheguei a tomar até 29 comprimidos por dia, e os efeitos foram devastadores. Eu tinha dificuldade de me alimentar. Fico preocupada que demore para restabelecer o exame e que eu fique exposta a todo tipo de doença oportunista.
Vice-presidente do Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS (Gapa/RS), Carlos Alberto Duarte diz que a falta do kit cria um "prejuízo imenso e incalculável", e lembra que no Rio Grande do Sul, a demora para conseguir agendar o exame é antiga: - É comum conseguirmos fazer apenas um exame por ano, enquanto o próprio Ministério da Saúde orienta que se repita a cada quatro meses.
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