Decisão tímida e tardia
Determinação do Supremo Tribunal Federal sobre união civil entre pessoas do mesmo sexo é avaliada por pesquisadores do tema
Ronaldo Pelli
- “Considero importante mas tímida e tardia”. “Isso demonstra que já estava na hora de ocorrer um pronunciamento.” “Era um assunto para ser legislado há muito tempo.” A posição dos acadêmicos de diferentes áreas que estudam as relações homoafetivas sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a união estável de casais do mesmo sexo não difere muito. Admitem a importância da determinação, exaltam a votação unânime dos juízes do Supremo, comparam com outras decisões famosas e falam até de um marco na sociedade. Porém, essa exaltação se contrapõe a um ceticismo em relação ao futuro, citando, como motivos para tal, o atraso em se tomar outras atitudes relacionadas ao universo homossexual e o conservadorismo do parlamento brasileiro.
Por outro lado, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que estava reunida durante a decisão do STF, no início deste mês de maio, afirmou que a união gay não pode ser comparada à família - uma instituição formada apenas pela junção de homem com mulher em que os filhos são consequência natural. Apesar de a CNBB ter se posicionado contra qualquer discriminação a “pessoas que sentem atração sexual exclusiva ou predominante pelo mesmo sexo” - “Repudiamos todo tipo de discriminação e violência que fere sua dignidade de pessoa humana”, escreveram na nota divulgada ao fim do encontro – eles fizeram questão de deixar claro que não gostaram da atitude do Supremo.
“É um fato real que a família é um recurso humano e social incomparável, além de ser também uma grande benfeitora da humanidade. Ela favorece a integração de todas as gerações, dá amparo aos doentes e idosos, socorre os desempregados e pessoas portadoras de deficiência. Portanto têm o direito de ser valorizada e protegida pelo Estado”, diz a nota, que também fez críticas ao fato do STF ter decidido sobre um assunto que caberia ao nosso parlamento.
“É atribuição do Congresso Nacional propor e votar leis, cabendo ao governo garanti-las. Preocupa-nos ver os poderes constituídos ultrapassarem os limites de sua competência, como aconteceu com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal. Não é a primeira vez que no Brasil acontecem conflitos dessa natureza que comprometem a ética na política.”
Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes [à direita] reclamou da falta de atitude do Congresso sobre o assunto e chegou a chamar de “limbo jurídico” o silêncio dos parlamentares. A professora de direito da família da UNB Suzana Borges Viegas de Lima, que já escreveu artigos sobre o direito dos homossexuais, também concorda que o STF realmente chamou atenção dos congressistas, mas, segundo ela, os ministros agiram dentro dos poderes a eles concedidos, não extrapolando suas funções. Segundo Viegas de Lima, a promulgação, que não deve ser confundida com o casamento – termo que por si só já tem uma conotação tradicionalista –, cria uma jurisprudência, uma natureza vinculante que deverá ser respeitada em todas as esferas.
“Esses direitos eram da maior relevância. Por que discriminar? Por que desrespeitar a dignidade das pessoas homossexuais?”, inquire a professora, que pronunciou a segunda frase que abre essa reportagem. “Afeto e direito, que nunca combinaram muito, agora convergiram, para dizer conjuntamente: o ser humano tem direito à felicidade, que está implícita na Constituição”, afirmou.
Autor de diversos livros sobre a questão homossexual, antropólogo, historiador, ex-seminarista e militante da causa gay, Luiz Mott foi mais radical. Afirmou que o Congresso é “omisso, machista e homofóbico”, e que a presidenta Dilma, agora, e Lula, anteriormente, deveriam ter pressionado a base aliada para aprovar leis a favor da cidadania dos homossexuais. Mott, que escreveu a primeira frase deste texto, também fez questão de comparar a decisão com nações que guardam algumas semelhanças com o Brasil, como Argentina e Portugal, que já aprovaram o casamento integral para homossexuais.
“A votação por unanimidade [dos ministros do STF] é alvissareira pois demonstra que no Supremo está mais moderno que as novelas da Globo e nossos parlamentares, que ainda insistem em proibir o beijo gay e não aprovar a criminalização da homofobia, respectivamente.”
Em vez de um clima mais liberalizante, num primeiro momento, a decisão do STF deve ter repercussão negativa, com o aumento do preconceito contra os homossexuais. É o que acredita a psicóloga Adriana Nunan, que já escreveu diversos artigos sobre o tema, além de ser autora do livro “Homossexualidade: do preconceito aos padrões de consumo”, e ter dito a terceira frase deste texto. “Com o passar do tempo, com o governo legislando, como se desse um aval, o preconceito tende a diminuir”, argumenta ela, lembrando que quanto mais leis de proteção a grupos fora do sistema, melhor: “Temos que ter legislar sobre os crimes de ódio, como o preconceito.”
Ela argumenta que é complicado tipificar o assunto, por não sabermos qual parâmetro técnico instituir para a regularização. “Mas, é bom ter o amparo legal para quem quiser fazer uso da lei”, sugere, no que é completada por Mott, que propõe uma campanha nacional para erradicar a homofobia.
“O Brasil continua liderando o ranking dos assassinatos contra LGBT, 260 homicídios em 2011, um aumento de 113% nos últimos cinco anos.”
Se o caminho a seguir for esse, o país tem ainda uma longa caminhada
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