Maior tolerância e preço mais barato atraem homens e mulheres transexuais de países da Europa e tão distantes quanto EUA, Cingapura e Austrália
"É surpreendente que um país conservador e patriarcal esteja se tornando um
polo de operações de mudança de sexo, mas as atitudes sociais estão mudando
lentamente", disse Cristian, um ativista transgênero de Belgrado que, apesar dos
avanços na sociedade, optou por não informar seu sobrenome.
Daniel, advogado russo que passou por cirurgia de mudança de sexo em
Belgrado, na Sérvia (08/05)
Cerca de cem estrangeiros e sérvios passaram por cirurgias de mudança de sexo
no ano passado no país e os números estão crescendo, de acordo com o Centro de
Belgrado para Cirurgia Reconstrutiva Genital. Os candidatos são de países como
França, Rússia e Irã, e de lugares tão distantes como Estados Unidos, África do
Sul, Cingapura e Austrália.
A Sérvia está se tornando um centro de cirurgia transexual, dizem os
especialistas, em parte porque a cirurgia é cara, complicada e controversa e
evitada em muitos outros países da região, incluindo Áustria, Hungria, Romênia,
Bulgária e Grécia e outros países da ex-Iugoslávia, de acordo com doutor
Miroslav Djordjevic, um professor de urologia que dirige o centro em
Belgrado.
Mesmo em países medicinalmente avançados da Europa Ocidental, como
a França, alguns cirurgiões se queixam de que não podem obter formação adequada
ou que são repreendidos por seus colegas por considerarem a realização de
cirurgias de mudança de sexo, o que leva muitas pessoas à Bélgica para realizar
o tratamento. No Reino Unido, onde os custos do procedimento chegam a US$ 15 mil
e são cobertos pelo Serviço Nacional de Saúde, 143 operações foram realizadas em
2009, segundo a imprensa local.
O doutor Marci Bowers (um ginecologista transexual de San Mateo,
Califórnia, que realizou 1,1 mil operações de mudança de sexo nos últimos dez
anos) observou que nos Estados Unidos apenas cerca de cinco cirurgiões realizam
a operação regularmente. Ela disse que o conservadorismo social e a falta de
habilidades cirúrgicas em muitos países, combinados com os temores dos
cirurgiões de complicações potencialmente catastróficas, estão promovendo o
crescimento do turismo medicinal para a mudança de sexo.
Pacientes estrangeiros dizem que são atraídos para a Sérvia pelo preço: cerca
de US$ 10 mil - nos Estados Unidos a operação mais cara, de transformação do
sexo masculino para o feminino, não sai por menos de US$ 50 mil.
Os sociólogos dizem que a atitude mais tolerante em relação aos transexuais
na Sérvia assinala os primeiros sinais de mudança em um país onde as correntes
conservadoras ainda são profundas.
"Somos filhos de dois pais: um é a Igreja Ortodoxa, o outro é o comunismo",
disse o doutor Dusan Stanojevic, um pioneiro da cirurgia de mudança de sexo no
país.
Ele disse que a transexualidade era tão tabu na antiga Iugoslávia que nem
sequer era mencionada nos livros de medicina. Mas o cirurgião Sava Perovic
começou a realizar as operações em 1989, após ser abordado por um homem que
sofria de transtorno de identidade de gênero.
Na Sérvia, a cirurgia é realizada em um procedimento único de seis horas,
poupando o paciente do trauma de várias operações. Complicações podem incluir o
arrependimento pós-operatório, problemas de funcionalidade ou infecção.
Para se qualificar para a cirurgia o paciente precisa de duas cartas de
recomendação de especialistas psiquiátricos que comprovem que ele ou ela está
sofrendo de transtorno de identidade de gênero - quando um homem ou uma mulher
se identifica melhor com o sexo oposto. Pelo menos um ano de aconselhamento e um
ano de terapia hormonal são necessários antes da cirurgia.
Daniel, um advogado de 25 anos de São Peterburgo, na Rússia, chegou a
Belgrado em maio para a cirurgia depois de não conseguir encontrar um médico
adequado em seu país. A cirurgia e o tratamento foram tão bem sucedidos que
Daniel, que levanta pesos com regularidade e gosta de ostentar barba por fazer,
revela poucos sinais de que já foi do sexo feminino.
"Precisei sair do armário duas vezes, primeiro como lésbica, depois como
transexual. Isso facilitou o processo", disse ele, um dia depois de passar pela
cirurgia. "A Rússia é extremamente homofóbica e fazer isso na Sérvia foi mais
fácil para mim."
Por Dan Bilefsky
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