Por
Tiago Duque*
em
29/08/2012
às
18h47
Há alguns anos, quando fazia parte de um grupo de discussão on-line de
jovens católicos, fui repreendido por algumas lideranças por postar uma notícia
sobre o preconceito que alguns indígenas estão sofrendo por serem gays,
ou de alguma forma por serem atraídos afetivos-sexualmente por outros
homens.
Naquela ocasião fui acusado de ser o único interessando na temática da
homossexualidade. "Nenhum jovem quer discutir esse tema", diziam os mais
conservadores da pastoral. Em meio ao pânico moral que eles mesmo
criaram, não se propunham perguntar "Por que comumente os jovens
católicos não heterossexuais não se expõem oficialmente nas atividades
pastorais?"
Alguns anos se passaram, e, faz tempo que venho processualmente
perdendo a catolicidade. O que não significa que tenho me tornado alguém
sem fé. Parafraseado um poeta, "o menino sai da Igreja, mas a Igreja
não sai do menino". Por isso, nessa semana, lembrei-me desse triste
episódio.
Tal lembrança saltou da memória porque li uma matéria dizendo que a
Regina Duarte (a atriz global) também tinha medo de índios, neste caso,
independentemente de serem gays. Ela está assustada com o avanço da luta
pela demarcação das terras indígenas no Brasil; como se esse avanço
fosse mesmo real ou no ritmo que os índios necessitam. Ela, "coitada",
se vê ameaçada em seu direito de ter a(s) tal(is) propriedade(s)
privada(s) que garantimos na constituição.
Na imprensa nacional foi divulgado
que, segundo o Centro de Estudos Ambientais, ela é proprietária de
terras e áreas pertencentes a comunidades indígenas no Mato Grosso do
Sul, na faixa da fronteira entre Brasil e Paraguai, onde tantos
indígenas continuam sendo exterminados.
Mas, o que a Regina Duarte e os jovens ditos cristãos que tive a
oportunidade de conviver há alguns anos atrás têm em comum? Ter medo de
índios. Ora, não deveria ser os índios que deveriam ter medo deles?
Afinal, os grandes proprietários de terras indígenas, como a família e
parte dos amigos da referida atriz, não são hoje os poderosos que
dificultam o pagamento da dívida histórica que temos com esses povos? A
Igreja, defendida cegamente por muitos cristãos jovens, não foi
co-responsável pelo extermínio de parte dos indígenas destas terras?
Você deve estar se perguntando também: "Mas o que isso tem a ver com
essa coluna que se propõe de forma disparatada a pensar gênero e
sexualidade?" Acho que tem tudo a ver, primeiro, porque os índios, seja
por terem jovens se assumindo enquanto não heterossexuais, ou por
reivindicarem o direito a terra (que para eles, em uma dimensão maior do
que a nossa, é o mesmo que lutar pela vida), são tidos como ameaças a
determinados grupos sociais, muitos destes grupos também conservadores e
resistentes aos chamados "direitos LGBTs".
O segundo motivo é que, nós que não somos pecuaristas/fazendeiros ou
jovens católicos, ou pelo menos, não somos ricos deste tipo e nem
católicos deste tipo, não podemos ficar a mercê dessas histórias de
exclusão. Ainda que nunca iremos nos aproximar de um índio, seja gay ou
não, por vivermos tão distantes daqueles poucos que sobreviveram, temos
que nos inteirar pra nos posicionar.
Há ainda um terceiro motivo para pensarmos nessas "histórias de
índios". Se estamos mesmo afim de lutarmos contra a homofobia, além de
esta luta não poder ser restrita a nossos pares não-índios, ela precisa
ser compreendida na perspectiva de que, não basta termos um país livre
de preconceito com a diversidade sexual mas cheios de injustiças
étnicas, raciais, econômicas, regionais, etc.
É preciso pensarmos em outro Brasil, menos medroso e mais ousado no que
se refere a igualdade de direitos, porque só viveremos em um país não
homofóbico, se as pessoas conseguirem sobreviver para poder
testemunhá-lo. Nesse sentido, é fundamental garantir que indígenas
tenham terras e sobrevivam, assim como outros povos também excluídos e
muitas vezes economicamente empobrecidos.
A luta pelo fim do preconceito é mais ampla do que a luta pela
diversidade sexual. E afirmar isso não é minimizar as especificidades de
quem tem morrido por ser viado, nem mesmo dizer que primeiro e mais
urgente é a luta por uma economia não-capitalista, mas mostrar que não
podemos lutar sozinhos porque não somos as únicas vítimas do perverso
sistema moral-econômico que escolhemos reproduzir. E, mais, não podemos
ser um movimento social de pauta única, porque os nossos inimigos são
diversos.
Talvez o primeiro passo seja entender que, se tem gente com medo dos
indígenas (sendo pelo fato deles serem gays ou estarem em luta pelas
terras que roubaram deles), é porque eles ainda são fortes. Em vez de
enfrentarmos o medo, temos que ser sábios para analisar de qual lado os
medrosos estão, e saber agir politicamente para que esse medo aumente. É
necessário causar medo pelas transformações que podemos engendrar.
Quanto maior for o medo, mais próximos das conquistas de todos os
direitos estaremos.
*Tiago Duque é sociólogo e tem experiência como educador em diferentes áreas, desde a formação de professores à educação social de rua. Milita no Identidade - Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual. Gosta de pensar e agir com quem quer fazer algo de novo, em busca de um outro mundo possível.
*Tiago Duque é sociólogo e tem experiência como educador em diferentes áreas, desde a formação de professores à educação social de rua. Milita no Identidade - Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual. Gosta de pensar e agir com quem quer fazer algo de novo, em busca de um outro mundo possível.
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