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Há
uma humanidade que nos une a quase todos. Nós, seres humanos, estamos
sempre em busca de nossos sonhos, nos aproximamos em expressões de
nossos desejos, sonhamos com um futuro melhor para nós mesmos, para os
demais e para o mundo de forma geral. Nós somos capazes de nos sentir
tão repletos de amor que é como se estivéssemos transbordando, como se
um sentimento tão forte pudesse ser visível e palpável. Essa humanidade,
comum a maior parte de nós seres humanos, está em cada pessoa, a
despeito de crenças, aparência física, expressões de sexualidade,
manifestações culturais, preferências musicais ou estéticas. E se por um
lado somos iguais em humanidade, por outro somos diferentes em
necessidades, em forma de experimentar, sentir e vivenciar, no entanto, o
discurso de igualdade, quando pervertido, propaga que basta uma
igualdade generalizante, vaga e abstrata, sem reconhecimento de
particularidades. E é nesta amplitude e generalização que somos
engolidos e atropelados diariamente. Através deste discurso vago e
perverso da igualdade nos tornam invisíveis e nos silenciam. Como o
discurso de todos sermos iguais apela para o emocional, a ideia é
assimilada e propagada sem que se pense na estratégia de esvaziamento da
qual faz parte.
Sim, “somos iguais em desgraça”, em
sonhos, amores, decepções, em dores, em perdas de ideais, mas somos tão
diferentes em nossas particularidades, em nossas idiossincrasias, em
nossas necessidades, em nossas histórias. Tratar todos como iguais,
passando por cima de especificidades, é silenciar pessoas, grupos
sociais inteiros e aniquilar suas lutas, suas reivindicações e lhes
cassar a palavra. O discurso perverso da igualdade absoluta, que
questiona uma suposta divisão da humanidade em grupos serve justamente a
quem não vive em situação de violência e exclusão às quais estão
submetidas as pessoas pertencentes a grupos não-hegemônicos. Por que
razão os grupos sociais que não são discriminados não usam o discurso da
igualdade da forma inversa da que tem usado? Em vez de dizer que não
precisamos ser mencionados de forma específica em lei, pois todos os
cidadãos são mencionados de forma geral, por quais razões não dizem o
oposto: como somos tão iguais, então, que se faça menção clara aos
LGBTs. Não, insistem cinicamente na questão da igualdade somente quando é
para nos dizer que não é necessário nomeações claras nem uso de termos
específicos, ou seja, insistem na igualdade somente quando é para nos
negar reconhecimento expresso claramente, não para nos incluir.
O combate à discriminação por orientação
sexual ou identidade de gênero é sempre diluído em termos
generalizantes como preconceito e diversidade. Não é sem motivo a
proposta de alteração do nome do Kit Anti-homofobia para Kit
Diversidade, com a alegação de que todos os preconceitos devem ser
combatidos. E assim certas palavras e temas vão sendo agrupados no
“todo”. Não é incomum, por exemplo, ouvirmos que “deve-se combater todas
as formas de discriminação: contra mulheres, idosos, deficientes e todo
tipo de preconceito.” O que é corretíssimo, mas se todos são nomeados,
que nós também sejamos. Não nomear, não dizer de forma específica, é uma
evidente estratégia de silenciamento e invisibilidade. E nossa
igualdade será conquistada somente por uma verdadeira equiparação de
direitos civis, por isonomia, o que será possível apenas através de
reconhecimento explícito e bem delimitado de nossa existência e de
nossas necessidades. Sem isso, a igualdade é somente ilusória. É
necessário acabar com a desigualdade diante de leis que deveriam ser
para todos, sem suprimir as diferenças, mas as reconhecendo e não
tentando anulá-las ou apagá-las sob o totalitário discurso da igualdade
absoluta. Somente assim, não haverá desigualdade jurídica instituída e a
tão propalada igualdade deixará de ser apenas um discurso perverso e
seremos, de fato, todos iguais.
@ivonepita
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