Pais são os pernambucanos Mailton Albuquerque e Wilson Albuquerque, juntos há quinze anos
RECIFE - Nascida no dia 29 de janeiro deste ano, Maria Tereza é a primeira
criança brasileira que tem dupla paternidade no seu registro de nascimento. Os
pais são os pernambucanos Mailton Albuquerque, de 35 anos, e Wilson Albuquerque,
de 40, que vivem há quinze anos uma relação homoafetiva, que preferem definir
como uma história de amor. Um amor diferente para muitos, mas extremamente
verdadeiro para eles. Os dois têm certeza que querem ficar juntos até o final de
suas vidas e passaram pelo menos uma década estudando a melhor forma de ampliar
a família com filhos biológicos. Acabam de realizar parte do sonho, já que
pretendem ter ainda mais um bebê. Em seu parecer sobre o caso, o promotor de
Justiça Adalberto Mendes Pinto Vieira considerou que os dois tiveram "uma
coragem da gota serena" e que foram " muito machos e pioneiros".
Maria Tereza - uma criança sadia e rosada - é filha biológica de Mailton, que
recorreu a uma clínica de reprodução assistida. O empresário contou com o óvulo
de uma doadora anônima para a fertilização. Mas a menina cresceu no ventre de
uma prima dele. Casada, ela impôs uma única exigência: não quer divulgação do
seu nome. Eles contaram que muitas mulheres da família se ofereceram para o
gesto de solidariedade, mas que foi ela quem apresentou o melhor exame físico.
Os dois já têm embriões congelados e esperam ter mais um bebê, no caso um filho
biológico de Wilson, empreitada prevista para o próximo ano.
Nesta sexta-feira estavam às voltas com mamadeiras, sapatinhos, chupetas e
eram só elogios para o mais novo membro da família. Ela dormia tranqüila em seu
quartinho branco e rosa, em meio à profusão de bichinhos de pelúcia
colorida.
- Temos uma babá, mas à noite nós nos revezamos ao lado do berço para cuidar
de Maria Tereza. Pela manhã, só saímos depois do banho. E à noite chegamos antes
do último, afirmou Mailton. Para ele, a recém-nascida já reconhece o pai pelo
cheiro.
- É uma santa, que só chora quando tem fome. Mesmo assim, quando a coloco no
colo, fica logo calminha. Sabe que sou o pai dela, comemorou.
Ele disse que os dois pensaram até em adotar uma criança. Mas admitiram que o
processo é muito complicado e preferiram amadurecer uma outra idéia: lutar por
filhos biológicos. Mailton contou que quando esteve em um intercâmbio, no
Canadá, ficou na residência de um casal homoafetivo que tinha três filhos
obtidos a partir de fertilização artificial.
- Achei que o modelo seria o ideal para aumentar o tamanho da família.
Observei lá que o preconceito é combatido na escola. Os livros ensinam que a
família pode ser formada de pai e mãe, de pai e pai, de mãe e mãe, ou só de pai
ou só de mãe, contou Mailton.
Os dois lembraram que, antes, filho biológico em laboratório só poderia ser
destinado a casais heterossexuais. Mas uma decisão do Conselho Federal de
Medicina de janeiro do ano passado estendeu o benefício para os casais
homoafetivos. Eles possuem uma distribuidora de equipamentos hospitalares, com
sede em Recife, e filiais em Fortaleza e Salvador. Construíram juntos um
patrimônio. E comemoram agora o fato de ter para quem deixá-lo.
- Nossa experiência é um precedente importante. Realizamos um grande desejo,
que era o de termos filhos, constituírmos família e mostrarmos para a sociedade
que a gente consegue amar da mesma forma que um casal hetero, disse Wilson.
Nesta sexta-feira, um programa local de TV fez enquete entre os ouvintes, que
reagiram com muito preconceito à iniciativa do casal. Mas para o juiz, importa
mais para a estabilidade emocional da criança não o sexo dos pais, mas sim o
afeto.
- Desde que exista afeto, tende a dar certo, independente do sexo. Foi
permitido que eles constituíssem família através do casamento. Então também deve
ser permitido que a família se complete através de uma criança, disse ele.
Para o promotor Adalberto Mendes Pinto Vieira, que deu o parecer sobre o
caso, Maria Tereza só tem a ganhar com pais tão dedicados:
- Você é uma criança afortunada. Tem dois pais que se amam, pois enfrentaram
o preconceito de frente e brigaram para que a Justiça reconhecesse a união deles
como família. Talvez daqui a vinte anos, quando você for adulta, espero que o
casamento homoafetivo seja uma questão corriqueira, porém nos dias de hoje eles
foram muito machos e pioneiros para enfrentar a questão na nossa região e ser
notícia em manchete de jornal. Tiveram uma coragem da " gota serena" , em bom
"nordestinês". Tenha a certeza de ser muito amada por ambos, que mais uma vez,
moveram "céus e terra" para que você viesse ao mundo e pudessem tê-la como
filha.
Segundo o juiz da 1ª Vara de Família de Recife, Clicério Bezerra, a dupla
paternidade é inédita no Brasil. Já houve um caso anterior semelhante em casal
homoafetivo, mas formado por duas mulheres, que enfrentaram um longo processo na
justiça.
- Aqui é inédito porque são dois homens, que solucionaram a questão
administrativamente. Foi tudo resolvido em cartório, sem que se precisasse
recorrer a algum processo judicial como ocorreu lá no sul, afirmou o magistrado,
o mesmo que havia autorizado o casamento civil dos dois em agosto passado.
Eufóricos com a chegada de Maria Tereza, já pensam no segundo filho do casal,
dessa vez com os espermatozóides doados por Wilson. E contam com uma legião de
voluntárias entre os parentes.
- Agradecemos às mulheres da família, e principalmente à que cedeu o ventre
para abrigar Maria Tereza. Foi um gesto de extrema doação, disseram.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/nasce-primeira-crianca-brasileira-com-dupla-paternidade-4128160#ixzz1o5yes0XQ
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