segunda-feira, março 05, 2012

Nasce primeira criança brasileira com dupla paternidade

Pais são os pernambucanos Mailton Albuquerque e Wilson Albuquerque, juntos há quinze anos


Wilson Alves Albuquerque e Mailton Alves Albuquerque são o primeiro casal de homens a ter uma filha - Maria Tereza - através de fertilização in vitro e registrado pela justiça, eles são casados desde agosto do ano passado
Foto: Agência O Globo / Hans von Manteuffel
Wilson Alves Albuquerque e Mailton Alves Albuquerque são o primeiro casal de homens a ter uma filha - Maria Tereza - através de fertilização in vitro e registrado pela justiça, eles são casados desde agosto do ano passado Agência O Globo / Hans von Manteuffel
RECIFE - Nascida no dia 29 de janeiro deste ano, Maria Tereza é a primeira criança brasileira que tem dupla paternidade no seu registro de nascimento. Os pais são os pernambucanos Mailton Albuquerque, de 35 anos, e Wilson Albuquerque, de 40, que vivem há quinze anos uma relação homoafetiva, que preferem definir como uma história de amor. Um amor diferente para muitos, mas extremamente verdadeiro para eles. Os dois têm certeza que querem ficar juntos até o final de suas vidas e passaram pelo menos uma década estudando a melhor forma de ampliar a família com filhos biológicos. Acabam de realizar parte do sonho, já que pretendem ter ainda mais um bebê. Em seu parecer sobre o caso, o promotor de Justiça Adalberto Mendes Pinto Vieira considerou que os dois tiveram "uma coragem da gota serena" e que foram " muito machos e pioneiros".
Maria Tereza - uma criança sadia e rosada - é filha biológica de Mailton, que recorreu a uma clínica de reprodução assistida. O empresário contou com o óvulo de uma doadora anônima para a fertilização. Mas a menina cresceu no ventre de uma prima dele. Casada, ela impôs uma única exigência: não quer divulgação do seu nome. Eles contaram que muitas mulheres da família se ofereceram para o gesto de solidariedade, mas que foi ela quem apresentou o melhor exame físico. Os dois já têm embriões congelados e esperam ter mais um bebê, no caso um filho biológico de Wilson, empreitada prevista para o próximo ano.
Nesta sexta-feira estavam às voltas com mamadeiras, sapatinhos, chupetas e eram só elogios para o mais novo membro da família. Ela dormia tranqüila em seu quartinho branco e rosa, em meio à profusão de bichinhos de pelúcia colorida.
- Temos uma babá, mas à noite nós nos revezamos ao lado do berço para cuidar de Maria Tereza. Pela manhã, só saímos depois do banho. E à noite chegamos antes do último, afirmou Mailton. Para ele, a recém-nascida já reconhece o pai pelo cheiro.
- É uma santa, que só chora quando tem fome. Mesmo assim, quando a coloco no colo, fica logo calminha. Sabe que sou o pai dela, comemorou.
Ele disse que os dois pensaram até em adotar uma criança. Mas admitiram que o processo é muito complicado e preferiram amadurecer uma outra idéia: lutar por filhos biológicos. Mailton contou que quando esteve em um intercâmbio, no Canadá, ficou na residência de um casal homoafetivo que tinha três filhos obtidos a partir de fertilização artificial.
- Achei que o modelo seria o ideal para aumentar o tamanho da família. Observei lá que o preconceito é combatido na escola. Os livros ensinam que a família pode ser formada de pai e mãe, de pai e pai, de mãe e mãe, ou só de pai ou só de mãe, contou Mailton.
Os dois lembraram que, antes, filho biológico em laboratório só poderia ser destinado a casais heterossexuais. Mas uma decisão do Conselho Federal de Medicina de janeiro do ano passado estendeu o benefício para os casais homoafetivos. Eles possuem uma distribuidora de equipamentos hospitalares, com sede em Recife, e filiais em Fortaleza e Salvador. Construíram juntos um patrimônio. E comemoram agora o fato de ter para quem deixá-lo.
- Nossa experiência é um precedente importante. Realizamos um grande desejo, que era o de termos filhos, constituírmos família e mostrarmos para a sociedade que a gente consegue amar da mesma forma que um casal hetero, disse Wilson.
Nesta sexta-feira, um programa local de TV fez enquete entre os ouvintes, que reagiram com muito preconceito à iniciativa do casal. Mas para o juiz, importa mais para a estabilidade emocional da criança não o sexo dos pais, mas sim o afeto.
- Desde que exista afeto, tende a dar certo, independente do sexo. Foi permitido que eles constituíssem família através do casamento. Então também deve ser permitido que a família se complete através de uma criança, disse ele.
Para o promotor Adalberto Mendes Pinto Vieira, que deu o parecer sobre o caso, Maria Tereza só tem a ganhar com pais tão dedicados:
- Você é uma criança afortunada. Tem dois pais que se amam, pois enfrentaram o preconceito de frente e brigaram para que a Justiça reconhecesse a união deles como família. Talvez daqui a vinte anos, quando você for adulta, espero que o casamento homoafetivo seja uma questão corriqueira, porém nos dias de hoje eles foram muito machos e pioneiros para enfrentar a questão na nossa região e ser notícia em manchete de jornal. Tiveram uma coragem da " gota serena" , em bom "nordestinês". Tenha a certeza de ser muito amada por ambos, que mais uma vez, moveram "céus e terra" para que você viesse ao mundo e pudessem tê-la como filha.
Segundo o juiz da 1ª Vara de Família de Recife, Clicério Bezerra, a dupla paternidade é inédita no Brasil. Já houve um caso anterior semelhante em casal homoafetivo, mas formado por duas mulheres, que enfrentaram um longo processo na justiça.
- Aqui é inédito porque são dois homens, que solucionaram a questão administrativamente. Foi tudo resolvido em cartório, sem que se precisasse recorrer a algum processo judicial como ocorreu lá no sul, afirmou o magistrado, o mesmo que havia autorizado o casamento civil dos dois em agosto passado. Eufóricos com a chegada de Maria Tereza, já pensam no segundo filho do casal, dessa vez com os espermatozóides doados por Wilson. E contam com uma legião de voluntárias entre os parentes.
- Agradecemos às mulheres da família, e principalmente à que cedeu o ventre para abrigar Maria Tereza. Foi um gesto de extrema doação, disseram.

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