CARLA BIANCHA ANGELUCCI E HUMBERTO VERONA
Não cabe cura para quem não está doente
Deputados evangélicos ferem a autonomia do Conselho Federal de Psicologia
ao tentar permitir que psicólogos proponham tratar e curar
homossexuais
O
Conselho Federal de Psicologia (CFP), assim como os conselhos regionais, é uma
autarquia de direito público, com os objetivos de orientar, fiscalizar e
disciplinar a profissão de psicólogo, zelar pela fiel observância dos princípios
éticos e contribuir para a prestação de serviços à população.
Cumprindo as suas atribuições, o CFP, por meio da resolução 01/99,
regulamenta a atuação dos psicólogos com relação à questão da orientação
sexual.
Considerando que as homossexualidades não constituem doença, distúrbio ou
perversão (compreensão similar à da Organização Mundial da Saúde, da Associação
Americana de Psiquiatria e do Conselho Federal de Medicina), a resolução proíbe
que o psicólogo proponha seu tratamento e cura.
Entretanto, em nenhum momento fica proibido o atendimento psicológico à
homossexuais, como afirmado pelo deputado João Campos (PSDB-GO), líder da Frente
Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional, que propõe um projeto que pretende
sustar dois artigos da citada resolução.
Isso
fere a autonomia do CFP como órgão que fiscaliza e orienta o exercício da
psicologia e contraria as conquistas no campo dos direitos sexuais e
reprodutivos, consolidados nacional e internacionalmente.
A
iniciativa do CFP foi pioneira e, na época, o Brasil passou a ser o único país
no mundo com uma resolução desta natureza. Por isso, o conselho recebeu dois
prêmios de direitos humanos.
Vale
ressaltar que, a partir da resolução brasileira, a Associação Americana de
Psicologia formou um grupo específico para elaborar documentos de referência
para norte-americanos e canadenses, reafirmando posteriormente a inexistência de
evidências a respeito da possibilidade de se alterar orientações sexuais por
meio de psicoterapia.
A
discussão sobre a patologização da homossexualidade é comumente atravessada por
questões religiosas, já que certas práticas sexuais são vistas também como
imorais e contrárias a determinadas crenças.
Entretanto, há que se reafirmar a laicidade da psicologia, bem como de
nosso Estado. Isso significa que crenças religiosas -que dizem respeito à esfera
privada das pessoas- não podem interferir no exercício profissional dos
psicólogos, nem na política brasileira.
Nesse sentido, ao associar o atendimento à pretensa cura de algo que não
é doença, entende-se que o psicólogo contribui para o fomento de preconceitos e
para a exclusão de uma parcela significativa de nossa população.
Considerando que a experiência homossexual pode causar algum sofrimento
psíquico, o psicólogo deve reconhecer que ele é decorrente, sobretudo, do
preconceito e da discriminação com aqueles cujas práticas sexuais diferem da
norma estabelecida socioculturalmente.
O
atendimento psicológico, portanto, deve, em vez de propor a "cura", explorar
possibilidades que permitam ao usuário acessar a realidade da sua orientação
sexual, a fim de refletir sobre os efeitos de sua condição e de suas escolhas,
para que possa viver sua sexualidade de maneira satisfatória e
digna.
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