Como foi o ano de 2011 para o movimento LGBT no Brasil? Recebi essa pergunta do site Dois Terços
junto ao convite para escrever esse texto. Prontamente aceitei o
desafio, pois já estou escrevendo um artigo maior sobre o assunto, onde
poderei explicar melhor outras e estas ideais que seguem abaixo. Em
resumo: na minha avaliação, o ano começou com muitas expectativas,
chegou ao meio com muito pessimismo e terminou com várias dúvidas.
Começou com muitas expectativas especialmente em função da criação do
Conselho Nacional LGBT. Pensávamos que com esse gesto, a presidenta
Dilma estivesse anunciando que avançaria nas políticas públicas para a
população LGBT. O Conselho, do qual faço parte representando a
Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH), existe para
sugerir, avaliar e acompanhar as políticas para lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais (ainda lamento que a sigla oficial
não contemple transgêneros/as e intersexos).
No entanto, neste seu primeiro ano, o Conselho ainda não conseguiu
efetivamente cumprir os seus objetivos. Por que? Existem vários motivos,
mas o principal deles é que o próprio governo federal ainda não
(re)conhece e respeita o Conselho como um órgão pelo qual deveriam
passar as discussões sobre as políticas LGBT. Há vários exemplos de
ações que foram implantadas pela própria Secretaria de Direitos Humanos,
onde o Conselho está sediado, que não passaram pelas sugestões,
avaliações e acompanhamento de conselheiros e conselheiras. Isso tem
gerado várias tensões e uma recorrente pergunta: por que criaram o
Conselho? Para fazer de conta que ouvem a sociedade civil? Para
apaziguar os ânimos? Ou para juntos construirmos as nossas políticas?
Findo o período de comemorações pela implantação do Conselho, o
movimento LGBT ficou em êxtase com o reconhecimento das uniões
homoafetivas pelo Supremo Tribunal Federal. Mas, depois disso, muitas
notícias tristes começaram a criar uma grande onda de pessimismo em
relação ao futuro. O ponto central foi a interrupção do chamado kit
anti-homofobia nas escolas e a desastrosa e conhecida fala da
presidenta, em especial quando ela disse que seu governo não faria
propaganda de “opções sexuais”. Com isso, nossa presidenta revelou um
total desconhecimento sobre os temas relacionados com a área, pois não
infelizmente não optamos por nossas sexualidades e gêneros, aliás, somos
obrigados desde sempre a sermos apenas heterossexuais, homens ou
mulheres. Essa sim é a obrigação que é diariamente propagandeada pela
sociedade em geral e pelos governos, inclusive em suas propagandas e
material didático.
As principais lideranças LGBT do Brasil protestaram e a ministra
Maria do Rosário convocou uma reunião de emergência com os conselheiros e
as conselheiras da sociedade civil, em Brasília. Participei desse
encontro e fiz uma dura fala, expressa na carta pública que a Abeh
divulgou na época (disponível em www.abeh.org.br). Disse, entre outras
coisas, que a democracia está em risco no momento em que
fundamentalistas religiosos mandam no destino das políticas públicas.
Rosário não gostou, disse que eu estava exagerando e que o governo não
iria retroceder nas políticas LGBT. Continuo pensando da mesma forma e
considero que retrocedemos sim.
O movimento LGBT solicitou, depois disso, que a presidente e seu
governo dessem sinais de que os avanços aconteceriam. Até hoje, não vi
nenhuma ação significativa nesse sentido, apenas algumas pontuais ações,
como a articulação com os secretários de Justiça dos estados (que não
passou pelo Conselho e conta com propostas não aprovadas na I
Conferência Nacional LGBT, a exemplo da criação de delegacias
especializadas para LGBTs). Existe a promessa de retomada do chamado kit
anti-homofobia, que receberá outro nome mas, depois do que aconteceu,
só acredito vendo. Eis aí uma ação fundamental para o respeito à
diversidade sexual e de gênero, cujo impacto leis não conseguirão
alcançar, ainda que elas, é claro, sejam muito necessárias.
As péssimas notícias continuaram com os cortes orçamentários para as
políticas LGBT, com a eterna alegação da crise financeira mundial. Em um
edital da Secretaria, apenas dois projetos LGBT foram aprovados. Fomos
informados de que a Secretaria de Direitos Humanos poderia gastar R$ 100
mil durante todo o ano para políticas LGBT. Isso é nada para um país do
tamanho do Brasil. Depois de muita pressão de ativistas do movimento, o
governo informou que em 2012 esse valor deve subir para R$ 1,100
milhão. Disse ainda que R$ 9 milhões deverão ser gastos em publicidade
de utilidade pública e valores, ainda não especificados, passagens
aéreas e viagens. Também relatou o conjunto de ações governamentais que
devem atingir a população LGBT, mas sem os recursos especificados. Por
conta desses dados, outra pergunta recorrente ouvida nas reuniões do
Conselho: por que fazer uma nova Conferência Nacional se não teremos
dinheiro para implantar essas políticas?
O segundo semestre foi marcado pelas conferências municipais,
estaduais, regionais e terminou com a realização da II Conferência
Nacional, de 15 a 18 de dezembro. Quase todo o tempo das reuniões do
Conselho Nacional foi dedicado à Conferência. As avaliações das
conferências estaduais foram distintas em alguns pontos (positivas em
alguns estados e “razoáveis” em outros), mas os conselheiros e as
conselheiras concordaram que muitas delas estiveram mais vazias que as
de 2008 e que a maioria debateu apenas os planos estaduais LGBT (e não o
plano nacional).
Na minha avaliação, as conferências apontaram também para um novo
desenho do movimento LGBT no Brasil. É possível que hoje o movimento
LGBT seja composto, em sua maioria, por pessoas com identidade feminina,
com forte presença do segmento transexual e travesti e um pequeno e
promissor grupo que tem reivindicado uma identidade transgênero/a, que
se diferencia dos e das demais trans. Diria hoje que a identidade
masculina não é mais a hegemônica no movimento LGBT que, é bom lembrar,
era chamado de Movimento Homossexual Brasileiro, hegemonicamente
masculino.
Além disso, fica cada vez mais visível que antigas lideranças
perderam prestígio, reconhecimento e poder, o que também tem gerado
tensões, brigas públicas e trocas de insultos. Essas e outras questões
(por exemplo, a forte presença de jovens, negros/as e pesquisadores/as
da área) tornaram o movimento LGBT ainda muito mais diverso. Na verdade,
mais do que nunca, temos hoje vários movimentos LGBT no país.
Por razões pessoais, não estive na Conferência Nacional. A ABEH
esteve representada pelo meu colega Djalma Thürler. Na avaliação dele,
“os dias passaram sob tensão, que aumentou quando a Presidenta Dilma
confirmou as expectativas e não compareceu e sequer enviou qualquer
documento desculpando-se e/ou ressaltando a importância do Encontro. No
entanto, a despeito disso, os Grupos que se concentraram na elaboração
das diretrizes o fizeram de maneira muito coletiva num trabalho que só
teve fim às duas da manhã já do dia 19 de dezembro. A despeito disso,
mostramos boa dose de amadurecimento nas discussões e proposições,
embora muitos delegados e delegadas tenham optado pelo frege.” Outras
pessoas que produziram relatos que li sobre a conferência também
destacam os problemas apontados por Djalma mas destacaram que o saldo
foi positivo.
Por estas questões, penso que o ano termina com várias dúvidas.
Conseguirá o Conselho Nacional exercer plenamente as suas funções? O
movimento LGBT saberá conviver com sua própria diversidade, deixar de
brigar entre si para brigar com nossos reais opositores (que não são
somente aqueles externos mais conhecidos, pois existem preconceitos
dentro do próprio movimento que devem ser atacados, a exemplo do
machismo e da heteronormatividade de alguns ativistas)?
E afinal, o que quer o governo Dilma? Ficará a primeira mulher
presidenta da história do Brasil marcada pelo retrocesso nas políticas
públicas LGBT, influenciada pelos fundamentalistas religiosos, ou usará a
sua capacidade administrativa para implantar as políticas
democraticamente construídas na II Conferência para que o Brasil seja um
país que respeita, festeja e aprende com a diversidade sexual e de
gênero? Desejo que tenhamos ótimas respostas para essas perguntas ao
final de 2012.
Por Leandro Colling
professor da UFBA, presidente da Associação Brasileira de Estudos da
Homocultura (ABEH – www.abeh.org.br) e integrante do Conselho Nacional
LGBT.
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