http://www.revistaovies.com/reportagens/2011/12/um-estado-laico-com-bancada-evangelica/
– 12/12/2011
As bancadas conservadoras no Congresso Nacional
nunca foram tão grandes em número e em influência quanto atualmente. A Bancada
Ruralista, por exemplo, conseguiu aprovar no Senado, neste dia 6 de dezembro, o
novo Código Florestal, acusado por ambientalistas de dar brechas e até mesmo
incentivar o desmatamento de vegetação nativa, em prol do agronegócio (Entenda o
que muda com o novo Código Florestal clicando AQUI e AQUI). Foram 59 votos a favor e 7 contra e, a partir de agora,
o texto volta para a Câmara, para a apreciação das alterações feitas pelos
senadores, para depois ser encaminhado para a sanção da presidenta Dilma.
Porém a bancada que mais tem conseguido projeção
neste mandato talvez seja a Bancada Evangélica. Segundo dados da própria Frente
Parlamentar Evangélica, nas eleições de 2010, a bancada cresceu de 46 deputados
(9% do total da Casa) para 68 deputados (13,2% do total), um crescimento de mais
de 50%, se comparado ao tamanho da bancada no mandato anterior. No Senado, a
bancada conta atualmente com 3 representantes: Walter Pinheiro (PT-BA), Magno
Malta (PR-ES) e o bispo Marcelo Crivella (PR-RJ).
Se fossem contabilizadas as bancadas dos
partidos, a Evangélica seria a terceira maior do Congresso, atrás apenas das do
PT e do PMDB, e empatada com o número de parlamentares do PSDB. A força do
grupo, liderado principalmente por religiosos e representantes da Assembleia de
Deus, mostrou-se já durante a campanha, quando pautaram, juntamente com os
membros da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a questão da
legalização do aborto na agenda dos candidatos à presidência.
A atual distribuição dos membros das bancadas por
partidos é a seguinte:
A bancada evangélica tem feito o monitoramento de
368 projetos da Câmara e do Senado, a maioria referente a questões de direitos
individuais, e agido não de acordo com o programa dos seus partidos, legalmente
constituídos e pelos quais foram eleitos, mas sim pelas orientações religiosas a
que professam.
O último caso a chamar a atenção foi o Projeto de
Lei nº 1.763/2007, que prevê o pagamento de um salário mínimo durante 18 anos
para mulheres vítimas de estupro, para que mantenham a gravidez e criem seus
filhos. O PL criada pela bancada ainda tem outro ponto bastante polêmico: a
ideia de que psicólogos de orientação cristã atendam as mulheres vítimas de
estupro, na tentativa de convencê-las sobre a importância da vida e de manter a
gravidez. Tudo, obviamente, pago pelo Estado. Porém é o próprio Código de Ética
dos profissionais de psicologia veta a indução a “convicções políticas,
filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual”.
Desde 1940, o artigo 128 do Código Penal permite
a prática do aborto em apenas dois casos: se não há outro meio de salvar a vida
da gestante (aborto terapêutico), ou se a gravidez resulta de estupro e há
consentimento da gestante (aborto sentimental).
A Ministra da Secretaria Especial de Políticas
para Mulheres, Nilcéa Freire, disse em entrevista ao Estadão que a proposta “é
retrocesso, uma proposta sem cabimento, equivocada desde o começo. Nós apoiamos
a liberdade de escolha da mulher”.
Na mesma reportagem, a advogada Samantha
Buglione, do Instituto Antígona e das Jornadas Pelo Direito de Decidir, afirma
que “Há uma dificuldade em compreender que o Estado democrático surge para
assegurar a liberdade de crença da população. Há uma confusão no entendimento de
alguns parlamentares entre direito e moral, entre religião e política
pública.”
Gráfico por João Victor Moura
Outro ponto fundamental da plataforma da bancada
evangélica é a questão relacionada aos direitos da comunidade LGBTT. Vários já
foram os ataques da bancada. O primeiro a criar polêmica diz respeito ao Kit
anti-homofobia, erroneamente chamado pela bancada de “Kit gay”. O material do
Ministério da Educação seria distribuído entre escolas de ensino médio, buscando
esclarecer questões a respeito da diversidade sexual e, assim, diminuir os
preconceitos dentro das escolas e da sociedade. Os parlamentares da bancada
evangélica, no entanto, ameaçaram não votarem mais nada até que o kit fosse
recolhido e, se a presidenta Dilma aprovasse o material, iriam convocar o então
ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, para prestar depoimento sobre seu
rápido enriquecimento. A “chantagem” deu resultado e a presidenta mandou
suspender o kit, chamando-o de “inadequado”.
A bancada agiu da mesma forma frente ao Estatuto
do Juventude, aprovado na Câmara no dia 05 de outubro. O texto prevê, entre
outras coisas, o pagamento de meia-entrada para os estudantes na faixa etária de
15 a 29 anos no transporte público e em eventos artísticos, culturais e de
entretenimento em todo o território nacional (As atuais leis sobre a
meia-entrada são de âmbitos estaduais e municipais). O ponto atacado pela
bancada evangélica, no entanto, foi o que diz respeito ao tratamento de temas
relacionados à sexualidade nos conteúdos escolares. O projeto do Estatuto da
Juventude só seguiu adiante, para a apreciação do Senado, após a relatora,
Manuela D’Ávilla (PCdoB – RS), acrescentar ao texto um adendo dizendo que o tema
seria tratado “desde que respeitado a diversidade de valores e crenças”.
Em maio deste ano, o Supremo Tribunal Federal
(STF) aprovou com unanimidade a união homoafetiva estável (para saber mais do
julgamento, clique AQUI) e, em outubro, o Supremo Tribunal da Justiça (STJ)
aprovou o primeiro casamento homoafetivo, abrindo precedentes para a prática
seja adotada em todo o país. A Frente Parlamentar Evangélica (Associação civil
de natureza não-governamental, constituída no âmbito do congresso nacional,
integrada por deputados federais e senadores da República), na pessoa do seu
presidente, o deputado João Campos (PSDB-GO), entrou com um pedido de inclusão
na legislação brasileira de um dispositivo que impeça que igrejas sejam
obrigadas a celebrar cerimônias de casamento entre homossexuais. Porém, a
proposta parece infundada, visto que em nenhum momento a aprovação da união
estável e do casamento homoafetivos interfere nas práticas religiosas. Em
entrevista ao G1, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) afirmou que “Isso é
desespero para confundir a opinião publica, para jogar união publica contra o
direito civil. O direito é publico, a fé é privada. Nenhum homossexual quer
casar em igreja”.
Estes são apenas alguns exemplos das medidas
tomadas pela bancada evangélica na tentativa de vetar alguns direitos
individuais, principalmente aqueles relacionados à liberdade sexual. Além disso,
ainda se trava no campo político e na sociedade em geral uma batalha referente à
aprovação da PLC 122/2006, que prevê o crime de homofobia (saiba mais clicando
AQUI), projeto contra o qual a bancada já criou passeatas
públicas, alegando que a aprovação vai contra o direito de liberdade
religiosa.
Gráfico por João Victor Moura
Os membros do Poder Executivo, vereadores,
deputados estaduais ou federais, senadores, juízes de Direito, juízes federais,
desembargadores, ministros de tribunal superior e presidente têm a obrigação que
exercer suas funções de acordo com os princípios fundantes do Estado; Como a
Laicidade é garantida por Constituição, os representantes do poder público
deveriam agir em defesa da separação do Estado das Religiões. Porém não é isso
que temos observado na prática.
Pensando nisso, a procuradora em Brasília do
município de São Paulo, Simone Andréa Barcelos Coutinho, defende uma reforma no
código eleitoral que acabe com as bancadas católicas e evangélicas no Congresso
Nacional. Para ela, é inconcebível que em um Estado Laico existam partidos que
tragam em seu nome a palavra “Cristão”, por exemplo.
(Leia o artigo completo da procuradora Simone
Andréa Coutinho clicando AQUI)
A medida pode parecer um tanto drástica, mas se
formos analisar as falas dos atuais parlamentares que compõem a bancada
evangélica, como o deputado federal Henrique Afonso (PT-AC), que disse: “O
Estado deve garantir o que pensa a maioria e acredito que a maioria dos
brasileiros acredita no que Deus prega, que é o direito à vida. Não posso
separar o deputado do cristão”, notamos o quanto o debate é pertinente e
urgente.
A consolidação do Estado Laico – garantido na
nossa Constituição, mas como vimos, bastante frágil em sua prática – não é
importante apenas para a comunidade LGBTT. Sua consolidação vem favorecer os
praticantes de todas as religiões ou de nenhuma delas, que têm dessa forma
asseguradas a sua liberdade de crença e de descrença.
Como diz a procuradora Simone Andréa
Coutinho:
“O pluralismo, por si só, é incompossível com qualquer forma de união entre o Estado e qualquer religião, pois aquele significa a tolerância e o respeito à multiplicidade de consciências, de crenças, de convicções filosóficas, existenciais, políticas e éticas, em lugar de uma sociedade em que as opções da maioria são impostas a todos, travestidas de “bem comum”, “vontade do povo”, “moral e bons costumes” e outrosO Estado laico respeita e tolera, pois, a diversidade de crenças de toda sorte. Mais do que isso, atua em obediência necessária ao pluralismo de consciência, de crença, de culto ou de manifesta ausência de sentimento ou prática religiosa. Sobretudo, um Estado laico e pluralista conduz seus negócios, pratica seus atos e define o interesse público com total independência de qualquer religião, grupo ou sentimento religioso, ainda que francamente majoritário.A Constituição da Republica Federativa do Brasil determina que “ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, inc. II). A religião, assim como a tradição, a ninguém obriga.”
UM ESTADO LAICO COM BANCADA
EVANGÉLICA, pelo viés de Felipe Severo
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