quarta-feira, dezembro 14, 2011

Liberdade para quem?

Por Matheus Treuk
Liberdade para quem?
  • É deveras positiva a atenção que o jornal Folha tem prestado ao problema alarmante da violência física perpetrada contra homossexuais e outros grupos discriminados por sua orientação sexual. O jornal alegou acertadamente que é preciso criminalizar condutas discriminatórias e demonstrou um entendimento positivo do assunto ao repudiar as declarações grotescas de Bolsonaro e outros parlamentares coniventes com esse tipo de crime. É, aliás, positiva a sugestão do jornal de se estabelecer sanções alternativas para alguns dos crimes previstos pelo projeto de lei 122 e seus derivados. No entanto, há uma percepção extremamente equivocada por parte dos editorialistas a respeito do que significa criminalizar o discurso de ódio e qual é a real consequência desta ação.
  • Em vários de seus editoriais, o jornal optou por uma orientação estadunidense de interpretação do direito de liberdade de expressão, incluindo em sua ampla e vaga categoria de “expressão” fenômenos como o discurso de ódio. Quando versaram sobre o racismo, por exemplo, os autores do editorial buscaram, sem sucesso, descriminalizar o discurso racista a partir de interpretações jurídicas no mínimo duvidosas. Tais leituras, alimentadas por um viés evidentemente corporativo (procura-se evitar sancionar uma lei que, no futuro, forneça o álibi para se controlar o conteúdo de suas publicações) são eminentemente falhas. Em primeiro lugar, ao contrário do que aponta este periódico, é falsa a alegação de que criminalizar o discurso de ódio levaria a um cerceamento da liberdade de imprensa ou da liberdade de expressão, o que pode ser facilmente verificado observando-se o exemplo de países como a Noruega, a Suécia e a Holanda, para não citar todos os países de uma vasta lista de nações que criminalizaram a conduta discriminatória sem, contudo, perder sua rica e dinâmica opinião pública. Assim, por exemplo, o artigo 137 do código penal holandês e a seção 134a do código penal norueguês explicitamente proíbem discriminação por orientação sexual (entre outras), sem com isso apresentarem práticas políticas autoritárias ou policialescas, e sem nenhum prejuízo para a opinião pública, como bem se sabe.
  • Isso se dá precisamente porque o discurso de ódio não constitui expressão democrática e livre de ideias mas, pelo contrário, uma forma violenta de imposição de valores, de coação e de restrição das liberdades das minorias. A agressão verbal baseada em conduta discriminatória não busca o diálogo, tendo por fito simplesmente silenciar seu interlocutor. Seu resultado é o verdadeiro cerceamento do direito de liberdade de expressão – só que das minorias. Além disso, a despeito do provérbio “pedras e paus podem quebrar meus ossos, mas palavras não me machucam”, é amplamente atestado que agressões verbais sistemáticas (como as expressões de homofobia) causam danos psicológicos e, em decorrência, implicações físicas, quando não ajudam a incitar ao crime e promover o ódio contra segmentos da população. É deplorável considerar que jovens homossexuais, negros ou deficientes devam sofrer cotidianamente agressões verbais baseadas na falsa alegação de liberdade de expressão. Lembramos, ainda, que as maiores atrocidades históricas cometidas contra minorias foram acompanhadas pelo aumento e difusão dos discursos de ódio.
  • Por fim, lembramos a Folha de que a legislação brasileira prevê várias situações em que a mera expressão gráfica ou oral é criminalizada na lei, dependendo de sua natureza. As leis de injúria, difamação, calúnia, plágio e desacato a autoridade são todas formas (em alguns casos, muito menos lógicas do que a lei do racismo) de punir condutas que ferem os direitos de outros cidadãos. Assim como o direito de liberdade de expressão não pode ser invocado para se justificar o prejuízo à propriedade intelectual de um cidadão qualquer, da mesma forma não se pode dizer que o discurso de ódio é protegido pelo direito constitucional de liberdade de expressão, uma vez que outra das cláusulas pétreas de nossa Magna Carta é o direito à inviolável dignidade humana. O entendimento do Tribunal Europeu de Direitos Humanos é esse. Será o da Folha?

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