Sexta, 9 de dezembro de 2011, 08h07
Marcelo Carneiro da Cunha
De São Paulo
De São Paulo
Na minha visão do inferno, estimados leitores, o calor é porto-alegrense, a
comida é de bufê por quilo, a música se alterna entre o sertanejo universitário,
o axé e um mix dos melhores momentos de Los Hermanos e Legião Urbana. A melhor
parte é que as únicas opções de conversa são o Silas Malafaia, a Benedita da
Silva, o Magno Malta e Anthony Garotinho.
Assim é o inferno, lugar tão dantesco que o diabo mesmo se mandou, após uma
candidatura bem sucedida ao Senado pelo PR de qualquer estado. O inferno é o
lugar para onde os evangélicos acreditam que eu, você, o senhor aqui ao lado,
todos vão, se forem gays. Evangélicos sentem muito, muito medo dos gays.
Os nazistas também sentiam muito medo dos judeus. Os turcos sentiam muito
medo dos armênios. Os brancos do sul dos Estados Unidos sentiam muito, muito
medo dos negros. Os hutu tinham muito medo dos tutsi. Os fundamentalistas
islâmicos morrem de medo das mulheres, dos adúlteros, ah, e dos gays. Os brancos
têm muito medo dos indígenas. Os destros sentem medo dos canhotos. Os japoneses
já tiveram medo dos coreanos e chineses, assim como os israelenses não
atravessam a rua se do outro lado vier um palestino, e, nesse caso, ao que
parece, o medo é recíproco.
Magno Malta, que sim, é um senador da República, além dos bicos que faz de
papagaio de pirata da Dilma, tem medo de que o Brasil vire um império gay.
O inferno, caros leitores, é o lugar criado especialmente para se armazenar
os nossos medos, todos eles. Os medrosos nada mais querem do que transformar a
vida de todos em um inferno. A tal de frente evangélica quer transformar a nossa
vida em um inferno, tudo graças ao medo.
Quem é mediado pelo medo não é capaz de dar um passo em direção ao que não
conheça. E quem é ignorante, tem medo de tudo, exatamente por ser ignorante.
Quem, além de ignorante, recebe uma bíblia e todas as certezas do mundo, sente o
seu medo se transformar em ódio e intolerância. E é isso que vivemos, graças a
esses representantes do pior, instalados de maneira muito equivocada em um
parlamento democrático.
A democracia, ora vejam, caros leitores, não é simplesmente o sistema que
representa a maioria. A democracia se define por ser o sistema que defende os
interesses de todos. Ela preserva, acima de tudo, os direitos das minorias. As
maiorias não precisam tanto assim de proteção, concordam?
O nosso sistema democrático está sendo ameaçado por gente que não acredita
em direitos dos demais, porque, na sua ignorância total e totalitária, se
acredita dona da razão. Isso seria engraçado, se não fosse aqui e agora. Gente
que vive na mais completa ignorância se achando dona da razão, algo de que
abdicaram em troca das suas certezas. O que, mas o que mesmo, gente do calibre
de um Garotinho, de uma Benedita, de um Magno Malta, podem ter a acrescentar ao
que quer que valha a pena ver e ouvir?
Eles vêm nos dizer que aqui, diferentemente do Irã, existem gays e eles são
o mal. O que você acha disso, nobre leitor? Você acha que o mal é culpa dos
gays? Ou dos judeus, dos palestinos, dos negros, dos indígenas, dos tutsis, das
mulheres, dos coreanos, dos chineses, dos canhotos, dos armênios ou dos Carneiro
da Cunha? O mal é frequentemente praticado por gente ruim. Olhe a foto de um
Jean Wyllys, e então olhe a foto de um Malafaia, de um Garotinho, de um Magno
Malta ou de um Wellington Jr. Quem lhe parece mais capaz de fazer maldades com a
mais total tranquilidade?
A nossa Constituição é o nosso maior e melhor documento anti-inferno. Ela
diz que somos todos iguais perante o estado e a lei. Olhem bem: todos. Até mesmo
o Malta e Garotinho, até mesmo esses seres desdotados da mínima capacidade de
leitura do que não for uma velha e inútil bíblia, se estamos em uma república
laica. Todos, todos iguais.
Eu não acho que os Malafaia, Garotinho, Malta ou Benedita sejam iguais a
mim, porque eu acredito na igualdade e eles não. Eu acredito na bondade e eles
não. Tanto eles não acreditam na bondade, que não aceitam a lei que torna a
homofobia um crime. Se eles não querem a lei, é porque querem manter o direito
de praticar a odiosa homofobia, como fazem nas suas seitas. Querem o direito
equivalente ao direito de praticar o racismo, a discriminação e o sexismo, que
não existe.
Eles querem, basicamente, que o nosso mundo se transforme num inferno sobre
a Terra. Normalmente, eu não acredito no inferno. Olhar para eles me faz
acreditar, se não na sua existência, então na sua possibilidade. Eu não quero
que essa possibilidade seja vencedora. Existe muita beleza em toda parte, nesse
mundo de tantas partes. Se eles não vêem, nós vemos. E, quem vê, ora vejam,
vence.
Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o
argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes
festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O
Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo",
que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo
produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe",
publicados pela editora Projeto.
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