terça-feira, novembro 15, 2011

Ricardo Aguieiras Masculino e Feminino. Existe isso?

 
 Escrito por Ricardo Aguieiras

Eu não percebi o quanto o mundo havia mudado. Mas, desde bem pequeno, intuía que não existe “masculino” e nem “feminino”. O Olhar de uma criança tudo sabe e tudo capta. Era incompreensível, para mim, penetrar nos meandros do azul sem poder fazer o mesmo com o rosa. Ou misturá-los criando uma nova cor. Caminhão ou casinha de boneca, tudo valia. Eu, além de não ter o julgamento ou o olhar condenatório dos adultos, tive a sorte de ter uma mãe que questionava tudo isso com muita coragem. Ela falava: “Brinquedo não tem sexo!”. E dura, nas palavras, ninguém a questionava. Então eu tinha desde palhacinhos cor-de-rosa até caminhões enormes de madeira que o meu ausente pai trazia para mim de suas viagens. Nunca me foi dito: Isso é “de menino” e isso é “de menina”. Não quando eu era criança. Só mais tarde. Mais tarde foi, sim, e de forma cruel. Continua sendo, aliás. Fui criança nos anos’ 50 do século passado e hoje sou adulto num século sem personalidade e que insiste no retrocesso. Jovem ainda, percebi que deveria satisfações sobre minha virilidade (?) ou feminilidade(?), não apenas aos meus familiares e o vizinho próximo, mas para uma roda bem mais ampla de pessoas. Não poderia questionar isso, sem pagar um preço muito alto.
Mas mais alto ainda era o preço do conformismo, de não questionar.
Adulto, fui ser padronizado, de terno e gravata e trabalhando em um grande jornal da capital de São Paulo. Lá dentro, gritando mudamente, latente, dando cutucadas fortes nas bordas da forma em que fui colocado, existia um Ricardo passional, intenso, radical e muito briguento que um dia veio à tona para nadar com mais força, ninguém mais me afundaria, exceto se eu quisesse as profundezas. Não ao uniforme, coloquei strass em minhas roupas e fiz do sexo um mote de libertação. De revolução.
Hoje sei que as sexualidades humanas beiram o infinito e que sempre existirão identidades à margem, infelizmente. Não por escolha, mas por imposições sociais e pelos preconceitos que descem suas mãos pesadas sobre as pessoas. O termo “gay”, que uso muito no meu dia-a-dia não mais diz tudo sobre mim, não mais. Bem como o “homem” só por ter pênis ou a “mulher” só por ter vagina. São detalhes irrelevantes, não representam absolutamente nada. Volto ao meu caminhão de madeira, à minha casinha de bonecas. Estou pronto para amar o meu próximo sem me importar se ele ou ela é “masculino’ ou “feminino”. Na verdade, sem me importar se ele é “ele” ou é “ela”. E mesmo isso eu sei que é uma mera idiossincrasia , a ser questionada um pouco mais adiante, quando não estarei mais vivo. Mas, se estivesse, estaria feliz por ainda haver questionamentos.

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