A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) – é uma entidade de abrangência nacional, fundada em 1995, que atualmente congrega 237 organizações congêneres. A ABGLT também é atuante internacionalmente e tem status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas.
A missão da ABGLT é Promover ações que garantam a cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, contribuindo para a construção de uma sociedade democrática, na qual nenhuma pessoa seja submetida a quaisquer formas de discriminação, coerção e violência, em razão de suas orientações sexuais e identidades de gênero.
Neste sentido, a ABGLT vem por meio deste manifestar seu descontentamento com a aprovação pela Câmara Municipal de São Pedro da Aldeia-RJ, do projeto de lei de autoria do vereador Agnaldo Sodré, e que tem como ementa “veda a distribuição de material sobre a diversidade sexual nos estabelecimentos da rede pública municipal de ensino da cidade de São Pedro da Aldeia.”
O descontentamento se dá em especial pela natureza preconceituosa, discriminatória e inconstitucional da Justificativa, que reproduzimos a seguir, com base na reportagem anexa:
“Atualmente, estamos vivendo momentos de claro desrespeito às famílias tradicionais, diariamente, nos deparamos com situações adversas a educação que recebemos no nosso pais ao longo dos anos. A escola é a continuação do nosso lar, desde pequenos contamos com os professores para nos aplicar, além de ensino, também boas maneiras que servirão para nos guiar durante toda nossa trajetória de vida.
Os ensinamentos e a educação aplicadas durante a nossa infância, é que irão nortear toda nossa vida, portanto, se durante essa fase tão importante começarmos a receber informações sobre situações que contariam nossos conceitos, iremos, em breve, formar uma sociedade repleta de pessoas com sérios distúrbios de personalidade.
Hoje, se diz que as praticas homoafetivas são normais, em virtude de silêncio daqueles que disso discordam e em virtude da influência exercida no mundo inteiro por homossexuais importantes, declarados ou não, o que não é verdade, pois até aqueles que praticam tais atos, sabem como ninguém que isso não é natural.
Cabe observar ainda que as crianças em idade escolar não necessitam receber informações sobre esse assunto, elas já são cheias de dúvidas que devem ser dirimidas pelos pais que com certeza poderão esclarecer da melhor forma.
Portanto Senhores Vereadores, vamos deixar a família desenvolver este papel tão importante da vida de seus filhos, instruindo da melhor forma, as suas crianças sobre este assunto tão polêmico, lembrando ainda, que, a criança estará na escola somente por um período da sua vida, permanecendo o resto da sua convivência no seio da sua família.”
Transparece nesta justificativa que o propósito do autor não é proteger as crianças e os adolescentes de algum prejuízo imaginário, mas sim semear o preconceito e a discriminação em seu seio.
As consequências da falta de educação para o respeito à diversidade sexual marcam a sociedade brasileira por meio da discriminação e a violência, com todas suas facetas, contra quem é, ou aparenta ser, diferente neste aspecto, conforme expomos mais abaixo.
Estamos convictos de que o projeto de lei não será sancionado, em virtude de ser materialmente inconstitucional e ilegal, e que prevalecerão os preceitos da Constituição Federal, em especial os da não discriminação, da dignidade humana e da igualdade, bem como as disposições de outras leis, considerando:
- que o artigo 3º de Constituição Federal garante que não haverá discriminação;
- que os artigos 205 e 206 a Constituição Federal asseguram que “a educação, direito de todos e dever do estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. O ensino será ministrado como base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber...”
- que o artigo 227 da Constituição Federal estabelece que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”;
- que o artigo 7º da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – o Estatuto da Criança e do Adolescente – dispõe que “a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”;
- que a Lei nº 9.394/1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – em seu artigo 3º, estabelece que são princípios da educação: “I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” e “IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância”.
Nestes termos, pedimos que o Prefeito de São Pedro da Aldeia, Arlindo José dos Santos Filho, vete a referida proposição legislativa.
Curitiba, 27 de setembro de 2011
ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
Situação-problema que justifica a realização da educação pelo respeito à Diversidade Sexual nas escolas
Estudos publicados nos últimos cinco anos vêm demonstrando e confirmando cada vez mais o quão a homo-lesbo-transfobia (medo ou ódio irracionalmente às pessoas LGBT) permeia a sociedade brasileira e está presente nas escolas. A pesquisa intitulada “Juventudes e Sexualidade”, realizada pela Unesco no ano 2000 e publicada em 2004, foi aplicada em 241 escolas públicas e privadas em 14 capitais brasileiras. Segundo resultados da pesquisa, 39,6% dos estudantes masculinos não gostariam de ter um colega de classe homossexual, 35,2% dos pais não gostariam que seus filhos tivessem um colega de classe homossexual, e 60% dos professores afirmaram não ter conhecimento o suficiente para lidar com a questão da homossexualidade na sala de aula.
O estudo "Revelando Tramas, Descobrindo Segredos: Violência e Convivência nas Escolas", publicado em 2009 pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana, baseada em uma amostra de 10 mil estudantes e 1.500 professores(as) do Distrito Federal, e apontou que 63,1% dos entrevistados alegaram já ter visto pessoas que são (ou são tidas como) homossexuais sofrerem preconceito; mais da metade dos/das professores(as) afirmam já ter presenciado cenas discriminatórias contra homossexuais nas escolas; e 44,4% dos meninos e 15% das meninas afirmaram que não gostariam de ter colega homossexual na sala de aula.
A pesquisa “Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar” realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, e também publicada em 2009, baseou-se em uma amostra nacional de 18,5 mil alunos, pais e mães, diretores, professores e funcionários, e revelou que 87,3% dos entrevistados têm preconceito com relação à orientação sexual.
A Fundação Perseu Abramo publicou em 2009 a pesquisa “Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil: intolerância e respeito às diferenças sexuais”, que indicou que 92% da população reconheceram que existe preconceito contra LGBT e que 28% reconheceram e declarou o próprio preconceito contra pessoas LGBT, percentual este cinco vezes maior que o preconceito contra negros e idosos, também identificado pela Fundação.
Entre as consequências da homo-lesbo-transfobia na vida adulta, a mais grave sem dúvida é o assassinato desenfreada de pessoas LGBT no Brasil. Através dos meios de comunicação o Grupo Gay da Bahia monitora esse fenômeno, e revelando que de 1980 a 2010, houve 3.446 assassinatos motivados pela orientação sexual ou identidade de gênero das vítimas registrados por esta fonte, uma vez que não são coletados dados oficiais nacionais sobre este tipo de assassinato. A tendência é de aumento, com 260 assassinatos no Brasil no ano de 2010, dando uma média de 0,71 assassinatos por dia.
Essas diversas e conceituadas fontes não deixam dúvidas de que há muito a ser feito para diminuir a homo-lesbo-transfobia, e uma das instituições que mais podem influenciar positivamente nesse processo é a escola. Muito trabalho já vem sendo feito nessa área e é importante destacar as recomendações aprovadas na Conferência Nacional de Educação Básica em relação à diversidade sexual, dentre as quais citamos:
· Evitar discriminações de gênero e diversidade sexual em livros didáticos e paradidáticos utilizados nas escolas;
· Ter programas de formação inicial e continuada em sexualidade e diversidade;
· Promover a cultura do reconhecimento da diversidade de gênero, identidade de gênero e orientação sexual no cotidiano escolar;
· Evitar o uso de linguagem sexista, homofóbica e discriminatória em material didático-pedagógico;
· Inserir os estudos de gênero e diversidade sexual no currículo das licenciaturas.
A Conferência Nacional LGBT (2008) aprovou 561 recomendações para políticas públicas para pessoas LGBT em diversas áreas, as quais foram sistematizadas no Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT, lançado em 14 de maio de 2009. O Plano prevê quinze ações a serem executadas pelo Ministério da Educação e é uma importante ferramenta para a promoção da inclusão e do respeito à diversidade nas escolas.
A Conferência Nacional de Educação (2010), no seu Eixo Temático VI, aprovou mais de 20 recomendações relativos a gênero e diversidade sexual.
O Plano Nacional de Educação (aprovado pela Lei nº 10.172 de 9 de janeiro de 2001), no seu diagnóstico do Ensino Fundamental, afirmou que “a exclusão da escola de crianças na idade própria, seja por incúria do poder público, seja por omissão da família e da sociedade, é a forma mais perversa e irremediável de exclusão social, pois nega o direito elementar de cidadania, reproduzindo o círculo da pobreza e da marginalidade e alienando milhões de brasileiros de qualquer perspectiva de futuro”;
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, reitera que “o Estado brasileiro tem como principio a afirmação dos direitos humanos como universais, indivisíveis e interdependentes e, para sua efetivação, todas as políticas públicas devem considerá-los na perspectiva da construção de uma sociedade baseada na promoção da igualdade de oportunidades e da equidade, no respeito à diversidade e na consolidação de uma cultura democrática e cidadã”.
As pesquisas citadas nesse texto podem ser consultadas em http://www.abglt.org.br/port/pesquisas.php
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