sábado, agosto 13, 2011

Deus se voltou contra Barra Mansa por causa da 'pensão gay'

Cidade do pecado
Jackson contesta 'pensão gay'

  Por Vinícius de Oliveira

 Quando o prefeito de Barra Mansa, Zé Renato, modificou uma lei municipal, mais especificamente a que diz respeito à Previdência Social, ele gerou uma tremenda polêmica. Com o aval dos vereadores, a partir de agora, dentre outras, homens e mulheres que comprovarem união estável com algum servidor do mesmo sexo poderão receber pensão do INSS, em caso de morte do companheiro ou companheira. A emenda ficou conhecida como ‘pensão gay’ e, ao invés de colorir as relações políticas do prefeito, causou o maior rebuliço na cidade, principalmente entre os evangélicos.
 Um dos que não gostou da decisão foi o deputado estadual Edson Albertassi. Preocupado em manter a moral cristã e os bons costumes das famílias barramansenses, o parlamentar teria pressionado o prefeito a não sancionar a nova lei. Não conseguiu. E, até prova em contrário, a relação entre eles parece ter azedado de vez. Albertassi chegou até a se aproximar dos tucanos do PSDB, liberando parte do seu grupo para se filiarem ao partido de oposição a Zé Renato.
 Entre os novos tucanos, estava Jackson Emerick, que quase se elegeu deputado federal pelo PRTB, com apoio de Albertassi. Antes de decidir abandonar o ninho tucano e rasgar a ficha de filiação que estava com ele, Emerick soltou um ‘Manifesto’ contra a ‘pensão gay’ e, lógico, contra o prefeito Zé Renato. Procurado pelo aQui, que queria saber do político se ele queria publicar tal ‘Manifesto’, ele enviou a seguinte resposta: “Gostaria que o jornal fizesse os evangélicos e católicos refletirem, pois estão calados diante de uma ação contrária às escrituras, feita pelo senhor José Renato. Por que se calaram? Onde está o conselho de pastores da cidade? Respeito quem optou pelo comportamento, mas pagar pensão com meu dinheiro, acho injusto”, disparou.
 A indignação de Jackson é tanta que, para ele, Deus, desgostoso com as medidas ‘simpatizantes’ do prefeito Zé Renato, está se manifestando, fazendo cair sobre Barra Mansa toda a sua fúria. Conhecido na cidade por seu tradicionalismo religioso e pelas críticas ferrenhas às praticas homossexuais (uma de suas plataformas políticas enquanto candidato a deputado foi criticar a criminalização da homofobia, grifo nosso), Jackson Emerick disse ainda que o desabamento das casas no Ano Bom pode ser obra do Altíssimo. “Quem conhece a escritura sabe que Deus é misericordioso, mas sabe que é terrível em justiça. Tenho medo que a cidade pague por isso. É só lembrar da história de Nínive, Sodoma e Gomorra. Será que os prédios no chão, do nada, sem nem estar chovendo, não podem ser um aviso?”, polemizou.
 Jackson foi além. No e-mail, ele critica a postura de Zé Renato e acredita que um espírito mal pode estar rondando Barra Mansa. “Nós, evangélicos e católicos, acreditamos piamente nas escrituras sagradas. Como um governante pode criar uma lei contrária às escrituras? Maldição pra cidade é no que acreditamos. Um mundo espiritual do mal conspirando contra toda uma localidade”, profetizou, comparando Barra Mansa com Nínive, uma das cidades que, segundo relatado no livro de Jonas, era uma região merecedora de destruição. “A Bíblia chega a dizer que o pecado de Nínive era tanto que fedia nas narinas de Deus, é só ler que verá o que aconteceu com essa comunidade. Parece loucura, mas não é... é a bíblia”, finalizou, em tom condenatório.
 Se, por um lado, alguns políticos da região estão muito insatisfeitos com a decisão tomada por Zé Renato, de beneficiar os servidores homossexuais, por outro tem muita gente que ficou feliz com a medida. É o caso, obviamente, da comunidade gay de Barra Mansa. João Rafael Medeiros não só aplaude a ‘pensão gay’ como critica o posicionamento de Edson Albertassi e Jackson Emerick. “Não sei por que tanto alarde em cima dessa lei. Os homossexuais, ao se casarem, cuidam de seus parceiros até a morte como outra pessoa qualquer. Nada mais justo é receber pensão por isso. Esses políticos são uns hipócritas, principalmente esse Jackson (Emerick). Ele não pode usar o dinheiro dele para pagar pensão para meu companheiro caso eu morra, mas eu posso pagar, com meu dinheiro, pensão para a mulher dele se ele morrer? Onde que ele é melhor do que eu?”, indignou-se, afirmando não ser diferente de ninguém só por ser gay.
 “Esses evangélicos, principalmente os que ocupam cargos eletivos, precisam parar de misturar política com religião. Não foi o próprio Jesus que disse: ‘Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus’? Acho extremamente errado esses homens públicos usarem o nome de Deus e da igreja como fonte de publicidade, até porque muitos não entendem o principal motivo da vinda de Jesus à terra. Ele (Jesus) queria que os homens se amassem uns aos outros como Ele próprio amou. Essa discriminação ferrenha, que políticos como Jackson Emerick fazem contra os homossexuais, fere esse princípio de amor incondicional proposto por Jesus. Eles condenam com a própria medida”, provocou.
 Roberto Soares, evangélico e heterossexual, e que cursa Teologia pela Universidade Batista de São Paulo, também não vê sentido nas colocações de Jackson Emerick. “Muita gente acha que o grande pecado de Sodoma e Gomorra, que causou a sua destruição, tenha sido a homossexualidade, mas isso não é bíblico. Não estou dizendo que homossexualidade não seja pecado e nem que não houvesse quem praticasse isso por lá; apenas digo que não foi essa a grande causa de sua destruição, pois a Bíblia nem se dá ao trabalho de mencionar se eles praticavam isso ou não”, disse.
 Segundo Roberto, as mazelas que levaram Sodoma e Gomorra à destruição são bem diferentes de homossexualidade. “Os pecados de Sodoma e Gomorra que a Bíblia cita eram: falsidade, adultério, apoio aos malfeitores, omissão perante às necessidades dos pobres mesmo tendo condições de ajudar, soberba e prática de abominações. Os versos que comprovam isso estão em Jeremias e Ezequiel. Note que, em nenhuma dessas passagens, fala-se especificamente sobre homossexualidade, embora alguns possam incluí-la em dissolução ou abominação”, argumentou, certo de que polêmicas como essa estão longe de acabar.
O que pensam os religiosos
 Diante de tanta polêmica, o aQui foi atrás de alguns líderes religiosos para que pudessem opinar sobre o caso. Para o pastor da igreja Projeto Vida, Carlos Eduardo Silva, Jackson Emerick está certo quando critica a forma que a lei foi pensada. “A raiz da lei que Zé Renato modificou com sua emenda era diferente. Ela foi criada para beneficiar homens e mulheres, não necessariamente homossexuais, que, durante boa parte de suas vidas, cuidaram de outras pessoas e que se viram desamparadas quando o companheiro (podendo ser amigo ou irmão) morreu. Essa lei, na minha concepção, não deveria beneficiar os homossexuais em especial, e sim, o cidadão. Daqui a pouco, vamos ter que fazer leis para gordos, magros etc”, criticou.
 Já em relação à profecia nefasta de Jackson, de que Deus estaria pensando em destruir Barra Mansa devido o suposto pecado que se abateu sobre o município, o pastor foi incisivo e disse que o político foi infeliz ao fazer tal colocação. “Não acho certo colocar na conta do Senhor o desabamento das casas no Ano Bom. Não acredito, em hipótese alguma, que a ira de Deus se abateu sobre Barra Mansa. Essa colocação do Jackson Emerick realmente não foi muito feliz”, discordou.
 Um padre, que preferiu não se identificar, para evitar atritos com as lideranças políticas do município, foi além. Segundo o religioso católico, é preciso conhecer muito a Bíblia para se fazer tais declarações. “Dizer que Deus, irado, fez com que os prédios desabassem é lastimável, uma tristeza, por que isso fere os princípios de Deus: a vida. Também não concordo quando dizem que as cidades Sodoma e Gomorra foram destruídas por causa dos homossexuais. Isso não é nem um contexto. Não se pode usar fatos da antiguidade para confrontar a atualidade sem, ao menos, um estudo adequado das Sagradas Escrituras”, finalizou o padre, rezando para que a polêmica tivesse fim. Difícil será.

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