quinta-feira, abril 28, 2011

Revoltada com palavrões em livro dado ao filho de 11 anos em escola, mãe registra queixa na DP

Capa do livro que foi retirado do acervo das escolas. / Foto: Wania Corredo
Herculano Barreto Filho
O livro “Heroísmo de Quixote” — registrado com o número 4.869 na biblioteca da Escola Municipal Benedito Ottoni — deixou as estantes do colégio no Maracanã, após uma discórdia que acabou indo parar na delegacia. A mãe de um aluno do 6º ano ficou revoltada com o fato de o livro, que fala sobre sexo, drogas e prostituição e é recheado de palavrões, ter sido dado a seu filho, “uma criança de 11 anos”, na sala de leitura.
A polêmica começou no fim do mês passado, quando o estudante fez uma pergunta à mãe sobre sexo anal, depois de ler trecho do livro em que um traficante revela o seu medo de ser espancado por desviar dinheiro que seria destinado ao pagamento de propina a policiais.
No dia 29 de março, a mãe do estudante escreveu carta aos dirigentes da escola, pedindo que o livro fosse retirado da biblioteca. Mas a direção só agiu quando o assunto parou na delegacia. No dia 31, um dia depois do registro na 18 DP (Praça da Bandeira), a mãe foi chamada para participar de reunião com representantes da Secretaria Municipal de Educação e da Coordenadoria Regional de Educação.
Professora não leu o livro
Em dois encontros, registrados em ata, a direção reconheceu o erro, se desculpou e tentou convencer a mãe a retirar a queixa. “Há outras maneiras de resolver o problema, pois a educação está nas mãos da escola e não do delegado”, disseram os funcionários da escola. No documento, a professora responsável pela distribuição dos livros admitiu que não conhecia a obra. “A professora disse que, ao ler a orelha do livro, não imaginou que o conteúdo fosse impróprio. A nossa missão foi tirar de circulação e avisar a rede sobre o livro para que nenhuma criança o pegue”, acrescentaram os funcionários da escola.
Em nota, a Secretaria Municipal de Educação reconheceu que o livro foi colocado à disposição dos alunos por engano, depois de ter sido doado, em 2005, pela editora Rocco. “A Secretaria Municipal de Educação esclarece ainda que, ao tomar conhecimento do conteúdo do livro, no dia 23 de março, mandou retirá-lo imediatamente dos acervos das escolas, uma vez que a obra possui conteúdo impróprio para os alunos do Ensino Fundamental”.
O caso pode ser enquadrado no artigo 232 do ECA, por submeter criança ou adolescente a vexame ou constrangimento. A diretora, duas professoras e representantes da secretaria prestaram depoimento na delegacia nesta semana. Já o aluno será ouvido na próxima semana.
‘Quero trocá-lo de colégio’
Três semanas depois de levar o caso à polícia, a mãe do aluno da turma 1.601 da Escola Municipal Benedito Ottoni afirma que seu filho se tornou alvo de perseguição depois do episódio.
— Quero trocar o meu filho de colégio. Mas vai ser difícil retirá-lo durante o período letivo. Se ficar na escola, sei que ele vai ser perseguido.
O pedido de desculpas e o apelo feito pelo colégio para que retirasse a queixa da delegacia não foram suficientes para convencer a mãe do jovem a desistir da ideia de levar o caso adiante.
— A professora se desculpou, dizendo que não tinha lido o livro. Mas eu li. E o meu filho leu. Agora, as pessoas agem como se nada tivesse acontecido. É um absurdo. Vou levar isso até o fim — promete.
O garoto de 11 anos lembra que, ao começar a ler o livro, decidiu mostrá-lo à mãe para saber o significado de expressões que desconhecia.
— Havia uns palavrões que eu não tinha entendido bem. Por isso, resolvi perguntar à minha mãe — lembra.
Delegado promete punição
O delegado Orlando Zaccone, da 18 DP, pretende responsabilizar as pessoas que deveriam fazer o controle dos livros deixados na biblioteca da escola, no Maracanã.
— Não se trata de uma cruzada moral. Mas o livro tem expressões que não são adequadas e foi entregue pela escola a uma criança, sem que ninguém soubesse do conteúdo da obra — assinala o delegado.
Retirada de livro das estantes divide opiniões: Educadoras criticam a postura da escola
A retirada de “Heroísmo de Quixote” da biblioteca da Escola Municipal Benedito Ottoni, depois da queixa feita pela mãe de um aluno por causa do conteúdo do livro, divide opiniões de pessoas ligadas à literatura infanto-juvenil e educadores. Alguns especialistas criticam a posição do colégio, alegando que a obra deveria ser discutida em sala de aula. Outros acreditam que a linguagem da obra é inadequada para uma criança de 11 anos.
A secretária-geral da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, Elizabeth Serra, acredita que a escola perdeu a oportunidade de discutir os assuntos ligados à sexualidade abordados no livro.
— A literatura oferece condições para que assuntos delicados da sociedade possam ser discutidos abertamente com crianças e adolescentes. Quando a criança pergunta, abre uma oportunidade para que o adulto explique. Mas a mãe está no direito dela de reclamar — argumenta.
A professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Miriam Paúra, que faz parte do programa de pós-graduação em Educação, também critica a postura da escola.
— Ao pedir desculpas e retirar o livro de circulação, a escola escolheu o caminho mais fácil. Como educadora, eu discutiria o livro para saber da vivência dos alunos. É preciso ir além dos muros da escola.
’Linguagem inadequada’
A pedagoga Leda Farguito, que trabalha com crianças com dificuldades de aprendizagem, considera a linguagem do livro inadequada para crianças de 11 anos. Por outro lado, defende o uso da obra em sala de aula, desde que o trabalho seja orientado.
— Eu não usaria esse tipo de livro, porque a linguagem não está adequada à idade e ao conhecimento de mundo do aluno. Mas não criticaria se um professor apresentasse o livro com uma intenção. Quando um professor distribui um livro sem saber do que se trata, não está agindo de forma pedagógica. Isso é grave. A educação precisa ser intencional — diz.
Autora defende sua obra
A escritora gaúcha Paula Mastroberti, autora de “Heroísmo de Quixote”, trabalha o livro em escolas públicas da Região Metropolitana de Porto Alegre. A iniciativa faz parte de uma parceria com a Câmara Rio-Grandense do Livro. Mesmo assim, a autora reconhece que nem sempre o livro é aceito em sala de aula.
— Em alguns casos, os professores têm medo de levar o livro para a sala de aula porque não se sentem preparados. Se uma criança tiver dúvida, o professor deve responder numa linguagem que ele entenda. Mas não me sinto qualificada para saber quem deve ou não ler.
O livro “Heroísmo de Quixote”, que em 2005 ficou em segundo lugar na categoria melhor livro juvenil do Prêmio Jabuti, é uma recriação feita a partir da obra de Miguel de Cervantes y Saavedra.
— Às vezes, as pessoas acham que os jovens não precisam saber da violência, porque podem ser contaminados. O problema não é o livro. O problema é a relação entre adultos e crianças — assinala Paula Mastroberti.


Fonte O Extra

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