quinta-feira, abril 28, 2011

DOM QUIXOTE PROIBIDO

Antonio Eugenio do Nascimento*

A matéria do jornal Extra, tratando da confusão sobre leitura imprópria na Escola Municipal Benedito Ottoni, reveste-se de interesse, mas conforta-me porque sei que este incidente não tem a mínima chance de transformar-se em epidemia. Imaginem se,  em todas as escolas brasileiras de ensino fundamental, pudesse ser colocado em permanente vigília um professor-leitor-censor a dizer para as crianças que determinado tipo de leitura não se adéqua à sua frágil compreensão.  O movimento de repreensão à professora, feito pela mãe, e que de alguma forma recebeu o apoio do delegado, não terá repercussão alguma no seio de uma sociedade, em cuja cesta de preocupações não sobra espaço para os palavrões falados ou escritos e que passeiam docemente pelas bocas da meninada do ensino fundamental.
Para o bem ou para o mal, os palavrões que ruborizavam as faces da infância não encabulam mais a ninguém. Estamos na era da pornografia aberta, um tempo novo que exige dos pais mais atenção para o comportamento de seus filhos, mas foi a própria sociedade que exigiu o fim de qualquer tipo de censura. Para cada produto que chega à sociedade de idade mais tenra existe uma regulamentação seguindo a bula do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas nada do que trazem os livros merece vigilância. Se o menino interessou-se pela leitura podem ficar tranqüilos os seus pais: ele tem plena capacidade de entender (se lhe fosse melhor explicado) o significado do texto literário considerado chulo por sua mãe. O que a mim parece, pelo menos é o deixa entrever a fala do aluno, é que a mãe ficou mais chocada do que o filho e como não tinha palavras para explicar como se realiza a relação sexual entre dois homens, preferiu recorrer ao delegado que também não é preparado para questões dessa natureza.
Nos últimos dez anos, o Governo Federal vem abarrotando as bibliotecas escolares com livros paradidáticos cheios de belos palavrões. Estão hoje na biblioteca das escolas: Chico Buarque com sua língua solta, Vinícius com seus poemas eróticos, Gilberto Freire com suas histórias e desenhos de zoofilia, Jorge Amado com suas histórias de amor, sexo e traição, tudo, porém, muito distante daquilo que se pudesse chamar de pornografia.
A Prefeitura do Rio faz uma censura prévia, mas os livros que ela considera adequados apenas para leitura de adultos, ficam rolando pelas bibliotecas escolares e para nossa felicidade, de vez em quando tem menino lendo O leite derramado de Buarque de Holanda.
Não li o livro promotor do furdunço, mas ele faz parte de uma série de releituras encomendadas pela Rocco a vários autores. O Dom Quixote hodierno de Paula Mastroberti foi o primeiro a levar pancadas e isto pode impedir de que outros livros da interessante coleção chegue às escolas, isto sim um prejuízo imenso para alunos e professores e toda a sociedade letrada. E para aqueles que não vivem o cotidiano das escolas públicas brasileiras ou escolas particulares não confessionais, é preciso dizer que nenhum livro escrito pelos autores acima citados possui a repertório de palavrões ditos pelas crianças de uma turma de sexto ano.
Este fenômeno ainda é objeto de estudo, mas trata-se do grupamento escolar que mais fala palavrões e desafia o corpo docente. É possível que a sede de conhecimento com a chegada em uma nova escola ou a interação com meninos e meninas de idade mais avançada, expliquem uma parte desse desejo de que, aos gritos ou aos pés de orelha, sejam proferidas arrepiantes palavras que provavelmente não estão contidas no livro juvenil de Paula Mastroberti. Cabe a pais e professores orientá-los, não com cinismo da sociedade pequeno-burguesa, mas com a sinceridade que lhes farão perceber que algumas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar. Quanto aos livros, qualquer tipo de censura viola o acordo democrático feito pela sociedade brasileira depois de 25 anos de ditadura militar. Não é a primeira vez que isto acontece, mas a mãe do menino curioso, o delegado e os profissionais que falam em linguagem inadequada, precisam compreender que vivemos outro momento no qual a palavra censura está sempre fora de moda e lugar.

*Educador, mestre em educação pela Universidade Federal Fluminense e autor, dentre outros, do livro A Escola do Aluno Caminhador.


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