segunda-feira, março 21, 2011

Cirurgia encerra drama de transexual – e da medicina

O Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, hospital público e do SUS, através do Grupo de Atenção Integral à Saúde das Pessoas que Vivenciam a Transexualidade, conhecido como GEN, desde 2003 realiza de forma gratuita as cirurgias de mudança de sexo. Tem gente na frente do Xande, eu mesmo conheço vários, que já fizeram o que ele vai fazer pelo SUS, com todas as cirurgias, inclusive um colega de trabalho, que é professor universitário. Então, ele não é o primeiro a realizar cirurgia financiada pelo SUS para esse procedimento.
Tem uma linda reportagem na PIAUI, 43, ano 4, abril 2010 que em longas páginas mostra o trabalho realizado na UERJ.
Abs
Prof. Marco José Duarte - UERJ

Alexandra dos Santos será 1ª brasileira a passar por operação de mudança de sexo paga pelo SUS. Há 15 anos, intervenção podia ser considerada crime

  No início do próximo mês, a autônoma Alexandra Peixe dos Santos, de 38 anos, vai se deitar em uma mesa cirúrgica do Hospital Pérola Byington, em São Paulo, para se submeter a um procedimento pouco comum, que deve durar duas horas. Do centro cirúrgico, sairá diferente: sem útero, ovários e trompas. Em data ainda a ser definida, passará pela extração das mamas. Os procedimentos constituem o passo mais contundente da transformação de Alexandra em Alexandre, ou Xande, primeiro transexual feminino do país a realizar uma cirurgia de mudança de sexo custeada pelo Sistema Único de Saúde – entre os homens, a prática existe desde 2008. Cada intervenção para retirada dos órgãos reprodutivos femininos (histerectomia total) e da mama (mastectomia) vai custar aos cofres públicos 717,90 reais e 462,80 reais, respectivamente.
Infográfico: as etapas para a mudança de sexo
Para Xande, a realização da cirurgia representa o último ato de uma peça ruim, em que ele – Alexandra faz questão de ser tratada pelo pronome masculino – encarna o personagem errado. "Desde criança, me entendo como menino", diz. Cedo, refutou o nome Alexandra: preferia Júnior. No primeiro dia de aula, foi parar na fila dos meninos. "Eu não entendia por que meu lugar era junto às meninas." A escola, aliás, foi o principal palco do descompasso com o corpo nos primeiros anos. Nas aulas de educação física, a menina queria compor o time de futebol – exclusividade masculina. "Era difícil até mesmo ir ao banheiro: a qual eu deveria ir?", lembra. O drama do personagem bipartido cresceu à medida que seu corpo se desenvolvia. A partir da adolescência, com as mudanças próprias da fase, tudo se complicou. Com um instrutor de uma academia de ginástica, teve acesso a hormônios masculinos, que engrossaram a voz, interromperam a menstruação e fizeram nascer pelos no rosto. Sem a devida orientação médica, acabou impondo mais dor ao corpo que queria transformar. "Tomei doses excessivas de hormônios e sofri dois derrames em menos de quinze dias", diz.
Para a medicina, a cirurgia também é o desenlace de um drama. Em 1975, quando a primeira operação desse tipo veio a público, o médico responsável pelo feito, o cirurgião plástico Roberto Farina, chegou a ser condenado por lesão corporal grave, enquadrado no Código Penal Brasileiro. Quem quisesse se submeter ao procedimento, portanto, tinha de fazê-lo de forma clandestina, ou viajar a países com tradição no assunto, caso de Tailândia, Grã-Bretanha, Marrocos e Equador. Mas a demanda pelas intervenções fez com que os profissionais de saúde paulatinamente repensassem suas posições. Em 1997, a cirurgia foi reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina em caráter experimental. No ano seguinte, o urologista Carlos Cury, de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, realizou as primeiras operações: no mesmo dia, retirou o órgão genital de dois homens. Em 2002, a prática deixou de ser experimental. Por fim, em 2008, o Ministério da Saúde deu ao tema status de questão de saúde pública, ao assumir os custos da cirurgia de mudança de sexo entre homens e, no final do ano passado, entre mulheres. É o fim de um ciclo.
Transtorno, não doença – A incompatibilidade entre corpo e mente não é uma peculiaridade de Xande. Segundo Luis Pereira Justo, psiquiatra do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids (CRT), da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, a incômoda sensação de ocupar a estrutura física errada é comum aos transexuais. "A pessoa sente vergonha, constrangimento e, muitas vezes, não consegue nem ao menos saber quem na verdade é. Não é uma questão de comportamento sexual, mas de identidade de gênero", diz. "Trata-se de um transtorno de gênero, não uma doença." Em meio à turbulência, a identificação se faz, então, com o papel socialmente apropriado ao sexo oposto. Isso, defende o psiquiatra, acarreta pressões psicológicas, familiares e sociais, já que não se corresponde ao figurino esperado. Para alguém como Xande, possuir seios é um transtorno. Cultivar a barba, um desejo. É algo completamente distinto da homossexualidade. "Nela um homem, por exemplo, se aceita enquanto homem, mas seu desejo sexual recai sobre outro homem. Já o transexual não aceita o corpo que tem, não se vê refletido nele. Essa condição é entendida como uma patologia pela Organização Mundial da Saúde", diz Quetie Mariano Monteiro, psicóloga do Departamento de Sexologia do Hospital Pérola Byington.   

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