Pernambuco - 17.12.10 - Atualizado às 15h46
Publicado em 12.12.2010, às 22h03
Davi Lira e Gabriela Bezerra* Especial para o JC OnlineWelington Medeiros concilia a luta política pelos direitos gays com o trabalho no Sindicato dos Previdenciários
(Foto: Chico Porto/JC Imagem/Arquivo)
Militante político e boêmio inveterado, assim é Welington Medeiros, 48 anos. Ainda era jovem quando ingressou na política como membro do Partido Comunista Brasileiro, em 1985. No ano seguinte se concentrou no forte apoio à campanha de Miguel Arraes para governador de Pernambuco, além de ter participado ativamente do processo de redemocratização do País. “Arraes era meu ídolo, sempre fui apaixonado pelo velho; ele era um político coerente, de traço sinceros, sem maquiagem”, comenta. Hoje trabalha com sindicalismo e sonha com a aposentadoria e a vida pacata num sítio. Mas, apesar da busca pela tranqüilidade, há quase dez anos, é líder estadual da luta pelo fortalecimento do movimento gay em Pernambuco.
Numa tarde de 1978, o coração dele bateu forte. Após assistir a uma sessão num antigo cinema do Centro do Recife, no auge da adolescência, ele recebeu um flerte. Talvez o primeiro que realmente lhe tocara. Na telona, as cenas de Os contos de Canterbury, do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini; na saída do cinema, a aproximação de um homem mais velho. Não houve correspondência, o jovem Welington ainda não tinha forças para encarar aquela descoberta. O sentimento foi a única recordação que ficou.
O desejo não tardou a repetir-se, mesmo a contragosto da sociedade e, principalmente da família. Quatro anos após o fatídico dia do cinema, outro flerte teve um desdobramento diferente. "O que achei mais estranho foi que, após trocarmos olhares, quase não falamos; ele pegou em minha mão e caminhamos juntos, já que não era iluminada a estrada", recorda Welington. Naquele momento, não havia mais como negar, e ele tinha certeza de que dali até a aceitação de suas escolhas seria uma longa caminhada.
Diferentemente do que apregoa o senso comum sobre os homossexuais, Welington não teve uma infância rodeada de amigas; gostava mesmo das brincadeiras típicas dos garotos. “Sempre fui maloqueiro”, afirma. Inclusive, chegou a se envolver com mulheres quando jovem. Assim, a notícia seria uma novidade para a tradicional família, natural de Patos (PB). Ainda hoje a mãe parece nutrir certa esperança e insiste em pedir um neto legítimo. A preocupação inicial do irmão caçula foi outra. “Mas tu é (sic) o que fica em cima ou embaixo?”, perguntou, à época, na tentativa de sentir-se mais aliviado.
Os primeiros relacionamentos sérios e a aceitação plena viriam aos 30 anos. Para Welington, o ateísmo teve papel importante na decisão de assumir a homossexualidade. “Antes de me descobrir gay, me descobri ateu. A partir disso, tudo foi mais fácil. Não havia mais o peso do pecado”, diz. Atualmente, está solteiro. Terminou há alguns meses o relacionamento com o último namorado, vinte anos mais novo e soldado do Exército. A causa para o fim do romance foi a vida boêmia. Welington não dispensa a cerveja diária, os dois maços de Carlton e a conversa com os amigos na mesa de bar.
Fã de literatura, costuma andar com um livro e não hesita em abri-lo assim que tem oportunidade. Ultimamente, a leitura preferida tem sido as fortes palavras do português imortal José Saramago, autor dos livros que ele presenteou o ex-namorado em duas ocasiões após o término do relacionamento — Dia dos Namorados e aniversário. “Todo ex-namorado tem um tempo de carência”, justifica. Além dos livros, Welington adora música. Aprecia as canções de Chico Buarque e não esquece o show realizado por Belchior na antiga boate Fun House. Ao ídolo, pediu um autógrafo e um beijo.
Em 2001, Welington ingressou no movimento gay como um dos fundadores da ONG Leões do Norte e — tal como o norte-americano Harvey Milk, tema do filme Milk: A voz da igualdade — ocupa o papel ativo de presidente da organização. “O movimento teve um avanço significativo, mas ainda falta uma legislação específica para os gays”, pondera. Para ele, a criação de projetos de lei, como a PL 122, que criminaliza a homofobia, ainda não é suficiente. “Só vai criar um freio no preconceito explícito, mas não vai mudar a sociedade”, afirma.
10 maiores bandeiras defendidas pelo Movimento Gay de Pernambuco |
Ampliação da ação “Unidades prisionais sem homofobia” |
Aumento e fortalecimento da identidade e cidadania da população LGBT (lésbicas, gays bissexuais, travestis e transexuais) |
Melhoria do acolhimento da população LGBT pelos serviços do SUS |
Proposição de políticas públicas para a população LGBT |
Publicação de coletâneas sobre projetos que trabalhem com as diferenças nas Escolas |
Elevação da autoestima de lésbicas,gays,bissexuais,travestis e transexuais |
Promover maior acesso às informações e às ações do movimento LGBT |
Formação de jovens nas especialidades de Teatro do Oprimido e Danças Populares pernambucanas |
Novo olhar das comunidades contempladas com o projeto para as questões da diversidade afetivo-sexual |
Sensibilizar o maior número de gays e travestis para a realização da testagem rápida (HIV) e utilização de métodos seguros nas relações sexuais; |
» Mais informações sobre o Projeto de Lei (PL) 122 que propõe a criminalização da homofobia
Temas como união civil e adoção por casais homossexuais são tabus. “Ainda existe um pensamento equivocado sobre nossa luta. Não lutamos pelo matrimônio, mas pelo reconhecimento legal da união”, esclarece.
Sobre a adoção, ele é mais enfático: “A sociedade ainda não percebeu que os gays são criados por famílias heterossexuais; e as crianças adotadas por casais do mesmo sexo devem ter os mesmo direitos que as demais”, comenta Welington, que também pretende adotar um menino no futuro. “A homossexualidade é tratada, equivocadamente, como um erro e o homossexual é visto como alguém incapaz de educar uma criança”, completa.
Mesmo acreditando que o alarde do movimento contribui para proporcionar mudanças, está seguro de que muito ainda precisa ser organizado. “A parada gay está perdendo a motivação do protesto; a cada ano tem servido muito mais como diversão”, lamenta.
A ONG Leões do Norte atua no Estado promovendo, inclusive, protestos simbólicos
(Foto: Alexandre Belém/JC Imagem/Arquivo)
Para ele, o fim da homofobia só será possível com a conscientização, inclusive nas escolas, de que não deve haver diferenciações de gênero ou orientação sexual quando o assunto é cidadania.
*Estudantes de Jornalismo da UFPE orientados pela professora Paula Reis
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