sábado, dezembro 18, 2010

Welington, uma voz contra a homofobia em Pernambuco


Publicado em 12.12.2010, às 22h03

Davi Lira e Gabriela Bezerra* Especial para o JC Online
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Welington Medeiros concilia a luta política pelos direitos gays com o trabalho no Sindicato dos Previdenciários
(Foto: Chico Porto/JC Imagem/Arquivo)
Militante político e boêmio inveterado, assim é Welington Medeiros, 48 anos. Ainda era jovem quando ingressou na política como membro do Partido Comunista Brasileiro, em 1985. No ano seguinte se concentrou no forte apoio à campanha de Miguel Arraes para governador de Pernambuco, além de ter participado ativamente do processo de redemocratização do País. “Arraes era meu ídolo, sempre fui apaixonado pelo velho; ele era um político coerente, de traço sinceros, sem maquiagem”, comenta. Hoje trabalha com sindicalismo e sonha com a aposentadoria e a vida pacata num sítio. Mas, apesar da busca pela tranqüilidade, há quase dez anos, é líder estadual da luta pelo fortalecimento do movimento gay em Pernambuco.


Numa tarde de 1978, o coração dele bateu forte. Após assistir a uma sessão num antigo cinema do Centro do Recife, no auge da adolescência, ele recebeu um flerte. Talvez o primeiro que realmente lhe tocara. Na telona, as cenas de Os contos de Canterbury, do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini; na saída do cinema, a aproximação de um homem mais velho. Não houve correspondência, o jovem Welington ainda não tinha forças para encarar aquela descoberta. O sentimento foi a única recordação que ficou.

O desejo não tardou a repetir-se, mesmo a contragosto da sociedade e, principalmente da família. Quatro anos após o fatídico dia do cinema, outro flerte teve um desdobramento diferente. "O que achei mais estranho foi que, após trocarmos olhares, quase não falamos; ele pegou em minha mão e caminhamos juntos, já que não era iluminada a estrada", recorda Welington. Naquele momento, não havia mais como negar, e ele tinha certeza de que dali até a aceitação de suas escolhas seria uma longa caminhada.

Diferentemente do que apregoa o senso comum sobre os homossexuais, Welington não teve uma infância rodeada de amigas; gostava mesmo das brincadeiras típicas dos garotos. “Sempre fui maloqueiro”, afirma. Inclusive, chegou a se envolver com mulheres quando jovem. Assim, a notícia seria uma novidade para a tradicional família, natural de Patos (PB). Ainda hoje a mãe parece nutrir certa esperança e insiste em pedir um neto legítimo. A preocupação inicial do irmão caçula foi outra. “Mas tu é (sic) o que fica em cima ou embaixo?”, perguntou, à época, na tentativa de sentir-se mais aliviado.

Os primeiros relacionamentos sérios e a aceitação plena viriam aos 30 anos. Para Welington, o ateísmo teve papel importante na decisão de assumir a homossexualidade. “Antes de me descobrir gay, me descobri ateu. A partir disso, tudo foi mais fácil. Não havia mais o peso do pecado”, diz. Atualmente, está solteiro. Terminou há alguns meses o relacionamento com o último namorado, vinte anos mais novo e soldado do Exército. A causa para o fim do romance foi a vida boêmia. Welington não dispensa a cerveja diária, os dois maços de Carlton e a conversa com os amigos na mesa de bar.

Fã de literatura, costuma andar com um livro e não hesita em abri-lo assim que tem oportunidade. Ultimamente, a leitura preferida tem sido as fortes palavras do português imortal José Saramago, autor dos livros que ele presenteou o ex-namorado em duas ocasiões após o término do relacionamento — Dia dos Namorados e aniversário. “Todo ex-namorado tem um tempo de carência”, justifica. Além dos livros, Welington adora música. Aprecia as canções de Chico Buarque e não esquece o show realizado por Belchior na antiga boate Fun House. Ao ídolo, pediu um autógrafo e um beijo.

Em 2001, Welington ingressou no movimento gay como um dos fundadores da ONG Leões do Norte e — tal como o norte-americano Harvey Milk, tema do filme Milk: A voz da igualdade — ocupa o papel ativo de presidente da organização. “O movimento teve um avanço significativo, mas ainda falta uma legislação específica para os gays”, pondera. Para ele, a criação de projetos de lei, como a PL 122, que criminaliza a homofobia, ainda não é suficiente. “Só vai criar um freio no preconceito explícito, mas não vai mudar a sociedade”, afirma.
10 maiores bandeiras defendidas pelo Movimento Gay de Pernambuco
Ampliação da ação “Unidades prisionais sem homofobia”
Aumento e fortalecimento da identidade e cidadania da população LGBT (lésbicas, gays bissexuais, travestis e transexuais)
Melhoria do acolhimento da população LGBT pelos serviços do SUS
Proposição de políticas públicas para a população LGBT
Publicação de coletâneas sobre projetos que trabalhem com as diferenças  nas Escolas
Elevação da autoestima de lésbicas,gays,bissexuais,travestis e transexuais
Promover maior acesso às informações e às ações do movimento LGBT
Formação de jovens nas especialidades de Teatro do Oprimido e Danças Populares pernambucanas
Novo olhar das comunidades contempladas com o projeto para as questões     da diversidade afetivo-sexual
Sensibilizar o maior número de gays e travestis para a realização da testagem rápida (HIV) e utilização de métodos seguros nas relações sexuais;
SAIBA MAIS
» Mais informações sobre o Projeto de Lei (PL) 122 que propõe a criminalização da homofobia

Temas como união civil e adoção por casais homossexuais são tabus. “Ainda existe um pensamento equivocado sobre nossa luta. Não lutamos pelo matrimônio, mas pelo reconhecimento legal da união”, esclarece.

Sobre a adoção, ele é mais enfático: “A sociedade ainda não percebeu que os gays são criados por famílias heterossexuais; e as crianças adotadas por casais do mesmo sexo devem ter os mesmo direitos que as demais”, comenta Welington, que também pretende adotar um menino no futuro. “A homossexualidade é tratada, equivocadamente, como um erro e o homossexual é visto como alguém incapaz de educar uma criança”, completa.

Mesmo acreditando que o alarde do movimento contribui para proporcionar mudanças, está seguro de que muito ainda precisa ser organizado. “A parada gay está perdendo a motivação do protesto; a cada ano tem servido muito mais como diversão”, lamenta.
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A ONG Leões do Norte atua no Estado promovendo, inclusive, protestos simbólicos
(Foto: Alexandre Belém/JC Imagem/Arquivo)
Wellington acredita que o maior obstáculo para a aceitação é a hipocrisia da sociedade. Comenta que, curiosamente, os ambientes considerados gays - como as saunas, são bastante frequentados muitas vezes por homens casados que se julgam heterossexuais. Alguns, segundo ele, apesar de procurarem companhia homossexual, apresentam comportamento homofóbico. “Dizem ‘Se eu tiver um filho gay, boto para fora de casa’”, recorda.

Para ele, o fim da homofobia só será possível com a conscientização, inclusive nas escolas, de que não deve haver diferenciações de gênero ou orientação sexual quando o assunto é cidadania.

*Estudantes de Jornalismo da UFPE orientados pela professora Paula Reis

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