Futurologia - O Globo
Por James N. Green, domingo, 3 de outubro de 2010 às 10:56
Para quem mora nos Estados Unidos e fala português com um leve sotaque americano, mas acompanha diariamente as viravoltas no Brasil, esta campanha eleitoral foi fascinante. Que pena que poucos dos meus conterrâneos saibam (ou se importem) o que é que vai acontecer no Brasil hoje. Ao contrário dos Estados Unidos, uma mulher inteligente e competente pode ser eleita presidente. Uma candidata pode ter militado contra a ditadura na esquerda radical na sua juventude e chegar ao Palácio do Planalto.
Uma candidata pode defender propostas social-democratas de redistribuição de renda através de programas de governo sem ser acusada de querer destruir o sistema capitalista e instalar comunismo no país.
Uma candidata pode propor a expansão de medidas governamentais para aliviar a pobreza, e só resta aos seus concorrentes argumentarem que eles podem ser mais eficientes na implementação desses programas.
E as máquinas para votar provavelmente vão funcionar, coisa que não se pode garantir nas eleições para o Congresso, neste novembro, nos Estados Unidos.
Parece que a centro-direita no Brasil vai tirar 25% a 30% dos votos para o seu candidato. E só.
Somando os votos vermelhos e verdes, há uma grande maioria de brasileiros que apoia as propostas históricas da social-democracia. Querem mesmo ver o país seguir mudando.
Para quem mora num país onde um quarto da população pensa que o presidente Obama não nasceu nos Estados Unidos (e por isso não tem direito de ser presidente), eu respeito muito e reivindico a inteligência do povo brasileiro.
Para quem mora num país onde um grupo de multimilionários, empresários e banqueiros está manipulando o desespero dos desempregados e o medo do cidadão comum para apoiar um movimento reacionário, o chamado Tea Party, acompanhar uma campanha eleitoral onde o discurso é a favor dos pobres é uma delícia.
Num momento em que governos europeus estão desmantelando programas sociais, diminuindo o papel do Estado na economia e reduzindo garantias a favor do bem-estar da população, a tendência no Brasil vai no outro sentido.
Parece que acabou a graça da piada de que o Brasil é o país do futuro e sempre será.
No entanto, se me permitirem opinar, os desafios para este novo governo são muitos.
É possível seguir financiando o desenvolvimento econômico com o apoio do Estado no contexto capitalista sem uma rápida destruição do meio ambiente?
Será que a política de depender da exportação de recursos minerais e produtos agrícolas como força motriz da economia não está repetindo velhos modelos que no final das contas mantêm o país dependente?
É possível aprovar casamento de gays e lésbicas (e não a união civil, por favor!) nos próximos dois anos? Afinal, se Espanha, Portugal e Argentina — três países onde a Igreja Católica tem um peso histórico enorme — podem aprovar tal medida, é uma vergonha que o Brasil fique atrás nessas questões.
Será que as mulheres brasileiras finalmente podem ter o direito a controlar os seus corpos e decidir se querem ter ou não uma criança se ficarem grávidas?
Há chance de finalmente punir os agentes do Estado que praticaram tortura nos anos 60 e 70? (A condenação seria um exemplo a seguir em outros países como os Estados Unidos.)
Existe a possibilidade de eliminar a corrupção e o tráfico de influência dentro do governo que fazem parte do sistema político brasileiro desde a época de D. Pedro II, se não antes?
Terá a nova presidente a força política e o prestígio internacional de seguir implementando a todo vapor a política internacional independente?
Será que o Brasil será um país do futuro?
JAMES N. GREEN é professor de História do Brasil na Brown University, Providence, Rhode Island
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