quinta-feira, agosto 19, 2010

Sexo: por dentro do banheirão

Entrevista com Tedson Souza, pesquisador do sexo público


Tedson Souza



Toda grande cidade tem lugares específicos que as pessoas frequentam em busca de sexo público, normalmente com desconhecidos. As modalidades são variadas: tem gente que vai só para ver (voyeurs), tem gente que vai para se exibir (dogging) e tem gente que vai para transar mesmo. Paris tem o Jardin du Luxembourg. São Paulo tem o bambuzal do parque do Ibirapuera, que bomba nas manhãs de domingo, além do já clássico Jardim da Luz. Salvador tem o Jardim dos Namorados, o farol da Barra e o Jardim de Alah – só para citar os mais tradicionais.
Tedson Souza, 32 anos, baiano de Salvador, é jornalista, professor de radiojornalismo e pesquisador do sexo público. Desde a graduação, em Comunicação Social pelo Centro Universitário Jorge Amado (2005-2008), Tedson desenvolve pesquisas sobre a pegação homoerótica na capital baiana. Agora cursando um mestrado em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia, ele prepara uma dissertação sobre a dinâmica das interações homoeróticas em sanitários públicos de Salvador. A prática, conhecida como “banheirão”, apesar de muito estigmatizada, é tão popular que rola inclusive em shoppings e estabelecimentos de elite, como o Salvador Shopping, o mais grã-fino da cidade. Tedson falou com a gente sobre o assunto.

Pra começar, o que é que te motivou a fazer pesquisa sobre sexo público?
Eu queria pesquisar sobre HSH, que são homens-que-fazem-sexo-com-homens, esse é um termo que o pessoal da saúde usa e que tem a vantagem de não ficar muito preso a rótulos, como “homossexualidade” que está mais ligado a questões identitárias. Não era nem vontade, era necessidade mesmo de pesquisar alguma coisa que ultrapassasse essa relação entre iguais, tinha muita vontade de escrever sobre isso, mas os trabalhos eram todos na linha de identidade, gays nas novelas, gays no cinema, esse tipo de coisa, e eu achava meio babaquinha ficar estudando representação só. É que a pegação faz parte de uma sexualidade marginal, todo mundo tinha a maior ojeriza, muita gente fazia e dizia “é horrível”. O banheirão era – e ainda é – tido como a forma de expressão sexual mais nojenta. Existe um preconceito muito grande. Na escala da cena gay, a piranha do banheiro é a pior vista, a bicha mais baixa. [Clique aqui para ouvir a matéria radiofônica "A Piranha do Banheiro", de Tedson Souza]
Banheirão, quem pratica?
Gente de todo tipo. A cena gay – não numa cidade como Salvador, que ainda é muito provinciana – é muito polarizada: tem barbie, urso, classe a , classe b. Mas no banheirão, tem desde um cara que tem idade de ser meu pai, ao executivo, ao pedreiro, à barbie... A cena é muito diversificada, é diferente da cena gay em geral.
Mas tem muitos gays enrustidos, não tem?
Em sua maioria, são gays enrustidos. O Humphreys, no “Tearoom Trade: Impersonal Sex in Public Places” [obra da década de 70 que marcou os estudos do sexo público] diz que a maioria dos frequentadores da pegação do banheiro é de homens casados que tentam esconder a sua identidade sexual, uma identidade que é como uma mácula.
E como é que funciona o banheirão? Tem sinais certos para os praticantes se identificarem?
Meu trabalho, na verdade, é uma etnografia do silêncio. As falas são raras, então eu tiro muito da atitude, do gestual, do silêncio. Os praticantes se identificam pelo olhar, mas tomam muito cuidado. Porque, na verdade, é um privado no público, o que as pessoas mais querem ali é serem anônimas, mas estão num ambiente público, então tem os olhares, tem a exibição no mictório, mas tudo com um cuidado muito grande.
Fazer banheirão é uma prática quase que exclusivamente homoerótica, e a sua pesquisa é sobre pegação entre gays. Você diz, inclusive [no seu anteprojeto de pesquisa apresentado à Universidade], que é a predominância da heteronormatividade que impossibilita “a construção de novas culturas sexuais não normativas ou explicitamente públicas”. Você acha que tem chance disso mudar no sentido de a sociedade em geral aceitar culturas sexuais diversificadas? Você já vê alguma mudança? O banheirão pode virar pop?
O banheirão é marginal demais pra virar pop, no máximo, pode ser um pop meio underground (risos). Porque sexo é diferente de carícia homoerótica, que já é mais aceita. E não é só a discriminação que provoca o banheirão, é claro que existe também o fascínio que o medo e o risco dão.
Explica a metodologia do seu trabalho, como é fazer pesquisa de campo em locais de pegação? O que é “observação participante”?
Eu comecei com um trabalho de observação nos banheiros, de “bicha-vigia”, aquela pessoa que fica lá, que avisa quando alguém vai entrar. Com isso, eu comecei a pegar um vínculo com os frequentadores – o que não é fácil! – e a partir daí, eu comecei a entrevistá-los, primeiro, em conversas mais informais, depois, eu pude gravar e tudo mais.
Fez amigos?
Fiz vários! Quando encontro algum, a gente fala das novidades: que abriu um banheiro novo, que o banheiro da feira de Camaçari tá pegando fogo, tá na moda.
E tem disso? Banheiro que fica na moda?
Claro que tem! Teve um banheiro que fechou por causa da pegação, o do Bompreço do Chame-Chame. Fecharam o banheiro masculino e ficou só o banheiro individual de deficientes. Isso fortaleceu bastante a pegação do banheiro do Shopping Barra e a pegação na escada de emergência do Barra [o Shopping Barra é vizinho ao Bompreço]. A escada de emergência é uma p modalidade, tem a do Shopping Barra, a do [Shopping] Lapa...
Você pode contar alguma história engraçada que lhe aconteceu enquanto você pesquisava?
Uma vez, teve um cara que tava com outro na cabine do banheiro da Estação Rodoviária. Daí chegou o segurança e parou em frente à porta. Os seguranças ficam de olho, fazem extorsão, espancam também, fazem chantagem... Daí um dos caras teve que se enfiar num vão que tem entre a privada e o lixo para se esconder, e deu o maior trabalho pra sair depois (risos)!

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