quarta-feira, agosto 15, 2012

Entrevista com a pessoa que denuncio a ABGLT a Discriminação por sorologia no Pará


 

O belenense Rodrigo, de 25 anos, foi o responsável pela recente denúncia sobre a obrigatoriedade do teste de HIV para admissão do curso de Formação de Soldados da Polícia Militar do Estado do Pará. Em entrevista exclusiva à Agência de Notícias da Aids, Rodrigo, que pediu para não ter seu sobrenome divulgado, contou que se sentiu “péssimo” e “muito frustrado” quando leu o edital e descobriu que seria excluído do processo de seleção por ter HIV.

“É muito difícil ter que conviver nessa sociedade preconceituosa em condições normais, e isso se torna pior quando vejo que sou impedido de participar dela como um homem comum, com problemas de saúde que qualquer ser humano pode vir a ter”, disse.

Leia a seguir a entrevista na íntegra:

Agência de Notícias da Aids: Como surgiu a ideia de ser polícia militar? Você pretende fazer carreira nas forças armadas?

Rodrigo: Bom, não tenho o objetivo especifico de fazer parte da polícia militar. Minha real vontade é de ser um funcionário público concursado. Já estudei muito no decorrer da minha vida e quero poder aplicar meus conhecimentos adquiridos agora, nesta fase da minha vida, na qual pretendo construir um futuro estável. Mas quando fui ler o edital para formação de soldados da PM, fiquei sabendo sobre a exigência do teste.

Agência Aids: Segundo nota divulgada pela Procuradoria Geral do Estado, “há justificativas técnicas da área médica que demonstram a incompatibilidade do exercício do cargo militar pelo paciente soropositivo bem como porque o fato do militar ser portador de HIV é causa de reforma do mesmo, ainda que se trate de paciente assintomático.” O que você acha desta justificativa?

Rodrigo: Acho que é uma boa justificativa para quem quer manter os portadores de HIV longe de seu circulo social. Primeiramente, vemos uma grande incoerência com relação à justificativa técnica da área médica, que diz que os portadores de HIV têm o organismo debilitado e possivelmente não conseguiriam exercer suas funções com êxito no serviço militar. Porém, os próprios médicos recomendam a todos os portadores de HIV que tenham atividades físicas diariamente, já que os exercícios beneficiam a produção de linfócitos TCD4 e reduzem a carga viral dos portadores.

Não obstante, o argumento da procuradoria geral que diz que o fato do militar ser portador de HIV é causa de reforma do mesmo é um absurdo! Sabemos que cada órgão público e privado tem seus regimentos internos, mas eles não podem ferir os direitos humanos! Conheço bem os termos do art.110, da lei 6880/80, relativo ao estatuto dos militares. Este estatuto foi feito em uma época a qual não existiam tratamentos medicamentosos para o HIV, em 1980, quando a possibilidade do óbito em decorrência da doença era infinitamente maior em comparação aos tempos atuais, além do que a qualidade de vida das pessoas com o vírus era muito baixa. Naquela época, os portadores de HIV realmente precisavam desta super proteção. Hoje em dia, as coisas são bem diferentes. Em 1980 nem tínhamos a atual constituição. Percebam o quanto este estatuto é defasado e chega a ser discriminatório.

Em outros estados (possivelmente, de pessoas menos pré-conceituosas), já foram criadas leis especificas para o assunto, proibindo a exigência do teste de HIV em concursos públicos.

O artigo 5 da constituição diz que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Sinto que a obrigatoriedade de fazer o teste de HIV para ser admitido na Polícia Militar do Estado do Pará viola minha intimidade e vida privada, além de ver essa proibição como desrespeitosa e preconceituosa.


Agência Aids: Você afirmou que quer ser um funcionário público concursado e construir um futuro estável. Passou em algum momento da sua cabeça entrar no concurso da polícia e pedir reforma?

Rodrigo: Nunca! Quero trabalhar até merecer minha aposentadoria. Vou me aposentar quando estiver com idade avançada e realmente impossibilitado de exercer minhas funções. Estou com muita energia! Quero continuar fazendo parte da sociedade. Quero poder fazer carreira no serviço público. Pretendo realizar muitas coisas nesta vida, e uma aposentadoria não me daria oportunidade de crescer. Muito pelo contrario, faria com que eu parasse no tempo.


Agência Aids: Como se sentiu ao perceber que a sua sorologia para o HIV seria um impeditivo para exercer uma carreira que deseja?

Rodrigo: Me senti péssimo. Essa seria uma grande oportunidade para que eu pudesse começar a construir o futuro que eu pretendo ter. Um bom salário e boas condições de trabalho me atraíram. Ver que esta oportunidade estava fugindo do meu alcance foi muito frustrante, principalmente por ser devido a minha condição de portador do HIV. É muito difícil ter que conviver nessa sociedade preconceituosa em condições normais, e isso se torna pior quando vejo que sou impedido de participar dela como um homem comum, com problemas de saúde que qualquer ser humano pode vir a ter.


Agência Aids: Você defende então o fim da exigência do teste de HIV nas Forças Armadas? Se outros órgãos militares não fizerem esta exigência, pretende se candidatar?

Rodrigo: Defendo sim! Bom seria se tanto as forças armadas como a sociedade deixassem de ver o HIV como um bicho de sete cabeças. Existem doenças muito mais limítrofes, como a diabetes, e que são tratadas com naturalidade pela sociedade. Trabalho na área da saúde e sei o que digo.
O serviço militar continua sendo uma opção para que eu faça carreira no serviço público. Recentemente, fui aprovado no concurso público da SESPA (Secretaria de Saúde do Estado do Pará) e não precisei passar por toda essa situação. Fui aprovado para um cargo que coloca minha saúde em muito mais risco e não me pediram sorologia para HIV. Trabalharei em hospitais e postos de saúde, onde o risco de eu contrair uma doença é maior do que nas ruas trabalhado como policial.

Alguns estados possuem leis especificas para esse assunto, proibindo a exigência de testes de HIV nos concursos públicos. Se alguma oportunidade de fazer parte do serviço público aparecer em outros estados, não tenha dúvida que vou correr atrás. Há alguns meses, não realizei a prova da polícia militar do Estado do Amazonas porque eles exigiam o teste de HIV também. Vejo que é hora de fazer algo a respeito em âmbito federal.


Agência Aids: Como está sua saúde atualmente?

Rodrigo: Estou muito bem. Sem nenhuma queixa de saúde. Pratico natação três vezes por semana. Vivo com o vírus HIV há quatro anos e não faço uso de tratamento medicamentoso por não precisar. Procuro manter hábitos saudáveis e faço todos os exames necessários a cada seis meses para saber como está a minha saúde.


Redação da Agência de Notícias da Aids

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