Números oficiais de assassinatos homofóbicos
em 2011
Essa notícia provoca dois sentimentos: alívio por ver que o governo federal finalmente está reconhecendo que a homofobia existe e mata no país; e vergonha, porque o governo brasileiro já deveria ter feito isso há muito tempo, e não só isso, mas promovido a aprovação do projeto de lei que criminaliza a homofobia no Brasil.
Durante mais de duas décadas, o Grupo Gay da Bahia (GGB), sob o comando do Dr. Luiz Mott, antropólogo e seu fundador, foi a única organização que se dedicou a registrar os números da homofobia no país. É a primeira vez que um levantamento oficial é feito pelo Executivo brasileiro. A divulgação foi parcialmente antecipada, em função do Dia Internacional da Cidadania LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), pela ministra Maria do Rosário. Ela informa que o registro das violações mencionadas no relatório é oriundo de denúncias feitas aos serviços Disque Direitos Humanos (Disque 100), Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), de dados do Ministério da Saúde e por meio de notícias publicadas pela imprensa.
O Site Terra ressalta que o levantamento aponta que, na maioria dos casos de agressão (61,9%), o autor é alguém próximo à vítima, o que pode indicar um nível de intolerância em relação à homossexualidade. Cerca de 34% das vítimas pertencem ao gênero masculino; 34,5% ao gênero feminino, 10,6% travestis, 2,1% transexuais e 18,9% não informado. Foram identificadas ao menos 1.713 vítimas e 2.275 suspeitos.
É interessante que não apenas as vítimas, mas os suspeitos de terem praticado a agressão tenham sido identificados. Isso abre caminho para as devidas ações legais. Um dos grandes problemas em relação à homofobia no Brasil é o senso de impunidade que as pessoas geralmente nutrem. No entanto, as cadeias brasileiras já contam com detentos que praticaram crimes contra homossexuais. Ainda não é o suficiente, visto que muitos crimes ficam sem registro. Muita gente ainda não denuncia. Coisa semelhante ocorria com as mulheres vítimas de violência doméstica. Elas sofriam caladas na maioria das vezes, até que Lei Maria da Penha foi aprovada. Hoje, as mulheres denunciam muito mais. Tomara que a lei anti-homofobia (ainda não aprovada pelo Congresso e Senado) tenha o mesmo efeito quando entrar em vigor.
Não é possível que legisladores continuem dificultando ou adiando a aprovação da PLC 122/06, que criminaliza a homofobia. Nosso vizinho Chileaprovou lei semelhante este ano, depois que um adolescente foi torturado e morto no país. Quantos crimes acontecerão até que o Legislativo brasileiro cumpra seu papel e aprove a lei anti-homofobia no país. Será que 278 assassinatos por homofobia em 2011 não são motivos suficientes para agilizar o processo legislativo?
É lamentável que as travestis ainda sejam tão vulneráveis em pleno século 21. Das vítimas de homicídio, 49% eram travestis. Estranhamente, o mesmo país que celebra o travestismo no show business fica indiferente diante de tamanha transfobia nas ruas. Contudo, grande parte dessa vulnerabilidade tem raízes econômicas. Muitas travestis ficam expostas à violência por causa da homofobia em círculos mais próximos, tais como a escola, o local detrabalho e a família. Muitas acabam tendo que sobreviver do ofício da prostituição, só que nas ruas, onde o risco é muito maior para quem trabalha nessa área. Boa parte do problema estaria resolvida se as travestis fossem acolhidas pelas instituições de ensino, pelo mercado de trabalho e pela próprias famílias.
A negligência familiar foi registrada pelo levantamento da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal, demonstrando que um grande número de jovens é abandonado ou negligenciado quando revelam sua orientação sexual - o que torna a políticas públicas de enfrentamento à homofobia ainda mais urgentes.
A ministra Maria do Rosário anunciou a proposta de incentivar a criação de Comitês Estaduais de Enfrentamento à Homofobia, os quais funcionarão em parceria com governos estaduais, com o Conselho Federal de Psicologia e com outras organizações da sociedade civil.
Os grupos servirão para monitorar a implementação de políticas públicas, acompanhar ocorrências de violências homofóbicas, evitando a impunidade, e sensibilizar agentes públicos responsáveis por garantir os direitos do segmento. Também está em estudo a criação de um comitê nacional que se responsabilize por coordenar a ação dos demais comitês.
Ministra Maria do Rosário
"É preciso compreender que um crime contra um homossexual atinge não só a pessoa, mas a família e a sociedade como um todo. É assim que nós sentimos no governo brasileiro", disse a ministra Maria do Rosário, adiantando que a proposta de criação dos comitês ainda está sendo desenhada e vai depender de parcerias. "Há uma vontade política inabalável do governo federal de constituir mecanismos que mobilizem a sociedade contra a violência homofóbica. Acreditamos que, com as parcerias, os recursos necessários não serão tão grandes. O principal valor investido será a mobilização permanente da sociedade", disse.
O arquivo em pdf do relatório oficial completo já se encontra aqui.
É motivo para celebração que o governo esteja finalmente despertando para ações efetivas contra a homofobia. O governo federal costuma dizer que "país rico é país sem pobreza". Isso é verdade, mas eu acrescentaria que "país justo é país sem homofobia". E não apenas sem homofobia, mas sem racismo, sem misoginia, e sem outras formas de discriminação.
Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) comemorou o anúncio da ministra em pleno Dia Internacional da Cidadania LGBT, mas lamentou os números do levantamento: "Este posicionamento político de estabelecer o comitê nacional e os estaduais é muito importante. Já vínhamos denunciando a situação, mas hoje temos um dado oficial. É o governo brasileiro quem está reconhecendo que houve 6.809 violações dos direitos humanos de pessoas homossexuais", disse Reis, prometendo que as associações não-governamentais irão apoiar qualquer proposta da Secretaria de Direitos Humanos que vise a combater a homofobia, sobretudo a criação dos comitês estaduais.
Agora, é fundamental que todos os segmentos do Movimento e da Comunidade LGBT deem-se as mãos e trabalhem juntos. É igualmente fundamental que usemos as redes sociais para divulgar informações corretas e relevantes para que a sociedade se torne cada vez mais inclusiva e pluralista. Muitas pessoas heterossexuais têm sido grandes aliadas dessa causa e será muito bom receber o apoio de novos amigos da liberdade, da igualdade e da fraternidade (lema republicano da Revolução Francesa). O Brasil é uma república desde 1889, mas 123 anos depois da proclamação da república os cidadãos LGBT ainda carecem de direitos civis plenos. Nas últimas quatro décadas, essa injustiça tem sido denunciada pelo Movimento LGBT organizado, mas ainda existem muita gente LGBT que não faz ideia do que significa ser cidadão pleno e por quê isso é tão importante - o que nos leva à necessidade de outro aliado no combate à homofobia: Educação.
Se, por um lado, precisamos da justiça para coibir crimes com motivação homofóbica, por outro precisamos de educação para a diversidade sexual e de gênero, ou seja, contra a homofobia. A educação pode prevenir o que - de outro modo - a justiça em algum momento terá que punir. Viver em paz com o outro é bom para todos. Todo crime tem uma vítima e um culpado, pelo menos. A vítima acaba no hospital ou cemitério, mas o culpado geralmente vai para a cadeia, quando não morre antes. Como ser indiferente para com a homofobia se ela é a razão da infelicidade e destruição de tanta gente?
Criminalização
da homofobia já!
Educação
contra a homofobia e pela diversidade sexual e de gênero já!
Um comentário:
Homofobia Mata.
E quando não mata, desrespeita, humilha, reprime, aprisiona, invade, violenta, e deixa as pessoas mais vulneráveis ao HIV e a AIDS.
Hora de acabar com esse mal que viola os direitos humanos.
Abs,
Claudio Fernandes
www.gestos.org
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