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Por Allan
Johan
Acompanhamos no Brasil uma crescente evangelização da população
mais carente do país. Desde os anos 80, as igrejas evangélicas crescem e se
tornam cada vez mais poderosas, hoje presentes não apenas nas classes
proletárias mas em todas as classes sociais. Atualmente elas são donas de
inúmeros meios de comunicação, e possuem políticos pastores e bispos eleitos em
quase todas as cidades do pais, inclusive no Congresso Nacional. Esta semana,
houve um novo capítulo nesta escalada ao poder: a nomeação do senador, e bispo
da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivella (PRB-RJ), nesta
sexta-feira, dia 02, para o Ministério da Pesca e Aquicultura. Até aí tudo bem.
Nem o fato do ministro não ter um currículo apto ao cargo, como ele mesmo
admitiu, importa, afinal, há outros ministros que não possuem experiência nas
áreas que comandam... Mas o preocupante é quando um político faz uma oração em
sua posse, se coloca como um escolhido divino e ora contra a corrupção de forma
demagógica e nada profissional. O recado é claro: os “evanjas” chegaram ao
primeiro escalão do governo. Com discurso moderado, apesar de fazer questão de
apontar a sua fé, o ministro diz que terá um olhar a todos e que este é o seu
desafio. Seria um teste para um projeto futuro como a presidência da República?
Não duvide.
Os evangélicos se dizem discriminados mas não sabem o que é ser renegado pelos pais, ou ser expulso de um local sem motivo, mortos ou espancados por “amar” (ironicamente), ou então não ter acesso aos direitos comuns aos outros. A frase “ame o pecador mas não ame o pecado”, usada para justificar a perseguição aos homossexuais, que foi criada por pastores americanos, esconde uma ideologia atrasada de 4 mil anos que apedrejava e matava mulheres julgadas infiéis por maridos poligamicos em praça pública, ou que promoveu a perseguições, assassinatos e cruzadas em nome da fé. Algumas religiões se modernizaram, outras resgatam o espírito dos tempos de guerra, do Oriente Médio antigo, da Idade Média, o lado sóbrio da espiritualidade, com um Deus castigador e uma comunidade de fiéis onde o terror e o medo são alimento da fé e dos cofres. Tais religiões eram fundamentais em teocracias ou regimes absolutistas ou déspotas nos quais os governantes eram iluminados por Deus, para justificar as atrocidades e invasões, mortes. Em suma, dois reis guerreavam e cada um deles se dizia eleito por Deus à vitória. O lado que perdia dizia ao seu povo que o mal venceu mas que eles se vingariam, enquanto o outro se dizia triunfar em nome de Deus. Infelizmente, o discurso pouco mudou. O nosso mundo ainda é regido pela dicotomia do bem e do mal, sem direito a meios termos. A Bíblia é um livro perigoso se mal interpretado, assim como todos os textos que retratam uma ideologia ou história local e são aplicados em outra cultura. O difícil é uma pessoa sem cultura ou poder de interpretação dos fatos chegar a esta conclusão, já que ela não tem uma noção de mundo ampliada. O “povo de Deus”, ali apontado como escolhido por Deus, aquele que seria levado através do deserto e herdaria a Terra, em nada difere da raça ariana que Hitler colocava como superior e que dominaria o mundo. Aliás, a Bíblia não foi um dos livros queimados pelo nazismo. O terceiro Reich, inclusive, se aproveitou do Cristianismo na Alemanha para agilizar a sua dominação ideológica. Alterações bíblicas e uma estreita relação com o clérigo protestante e católico garantiram que a propaganda nazista fosse eficaz, colocando o próprio führer como escolhido divino. Na Democracia, não há uma fé única, todos possuem o direito a manifestar suas crenças, ou de não manifestar, são livres para acreditarem no Deus que quiserem. E isso incomoda os evangélicos. Bem como o direito ao aborto, ao casamento gay, a adoção por dois pais ou duas mães. Eles simplesmente não entendem o que é Democracia pois foram condicionados a se privarem em nome de um Deus, a seguir supostas regras divinas, a serem ovelhas. E esse mecanismo é importante nestas Igrejas, pois colocar a religião a frente de tudo, a seguir cegamente o pastor, é importante na hora de se fazer a receita, de se coletar o dinheiro. O que os evangélicos precisam saber é que é possível ser feliz de diversas formas e que cada um tem o direito de escolher a sua e ninguém tem o direito de julgar ou impor suas crenças. Infelizmente, em nosso país dito laico temos crucifixos ou imagens santas por todas as repartições, e relações estreitas do governo com instituições religiosas que desenvolvem projetos sociais importantes e alguns de caráter duvidoso, mas sempre presentes e importantes no período eleitoral. Aliás, a nomeação de Crivella seria uma forma de buscar o apoio dos evangélicos nas eleições do fim do ano para algumas candidaturas, como a do ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, que defendeu em sua gestão o programa Escola sem Homofobia que foi cancelado após pressão da ala evangélica no Congresso. No Brasil, assistimos as igrejas se envolvendo em assuntos políticos e sociais importantes como o aborto, a defesa dos direitos dos homossexuais, o sistema penitenciário, psicologia, tratamento a viciados, entre outros pontos. A agenda evangélica não se resume a pregar aos seus fiéis mas a impor os pontos de vistas não democráticos a todos os cidadãos, pressionando o executivo, barrando e enterrando projetos no Legislativo. As igrejas passam por cima dos estatutos dos partidos, da Constituição, das leis, evocando o direito de seguir a Bíblia, interpretando erroneamente o direito a livre culto e religião (o mesmo que eles ignoram ao atacarem outras crenças ou aos ateus). Sem falar que as igrejas evangélicas possuem alguns nomes de pessoas nada exemplares em termos de administração ou vida pública. Há ainda uma confusão clara do que é democracia na cabeça de muitos evangélicos. A espiritualidade exacerbada a ponto de se auto intitular escolhido por Deus, ou colocar a sua religião como a oficial do “reino dos céus”, já um sinal claro de discordância com a realidade. No mundo real, há diversas religiões, deuses, lendas e formas de fé. Acreditar e pregar a fé única é algo assustador, pois promove a idéia de supremacia, de intolerância. Ou seja, temos todos os indícios de que um choque social se dará no Brasilem breve. Temosque acreditar que haverá uma acomodação das diversas partes envolvidas. Os evangélicos precisam moderar o discurso, se retirar da política ou adotar um discurso compatível com a democracia, e o restante da população precisa aprender a tolerar não apenas os evangélicos mas diversas comunidades existentes no país. O problema é que justamente os evangélicos que dificultam a aceitação de gays, das religiões de matizes africanas, sem falar nas mulheres que fizeram aborto, transexuais, entre outras formas de busca pela felicidade. Este talvez seja o segredo. Entender a busca pela felicidade não como um caminho único e que todos tem o direito de correr atrás do que acreditam que seja o melhor para elas, desde que não interfiram na busca do outro. Ou seja, precisamos salvaguardar a liberdade religiosa e de crença no país, colocando limites claros, antes que seja tarde demais. Talvez a hora certa já tenha passado. |
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