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Embora o Japão ainda não permita o casamento entre pessoas do
mesmo sexo, em um caso inédito no país, o governo concedeu ao brasileiro Emerson
Kanegusuke, 39, o direito ao visto diplomático por ser casado oficialmente com o
cônsul-geral dos Estados Unidos em Osaka-Kobe, Patrick Joseph Linehan, 59.
Com a entrada de Barack Obama no governo, em 2008, Washington passou a dar
tratamento igual aos casais homoafetivos. Apesar de o país também não autorizar
por lei o casamento gay – somente seis estados e o distrito de Columbia permitem
este tipo de união –, o governo norte-americano passou a reconhecer oficialmente
os parceiros de diplomatas como membro da família.
"Por isso, quando fomos transferidos para cá, o Japão me admitiu como
'diplomata', conforme foi solicitado pelo governo dos Estados Unidos", contou o
brasileiro à BBC Brasil. O casal chegou ao Japão em agosto do ano passado, vindo
de um período na Coreia do Sul.
Para o vereador Wataru Ishizaka – que junto de Taiga Ishikawa foram os
primeiros políticos assumidamente gays eleitos em 2011 – este foi um importante
passo no reconhecimento dos direitos dos homossexuais no Japão, pois o
Ministério das Relações Exteriores mostrou que há espaço para um debate sobre o
tema.
"Mas é preciso lembrar que ainda somente familiares de diplomatas têm essa
chance de obter o visto de permanência", disse ele à BBC Brasil.
Ishizaka explicou que casais comuns ainda terão de esperar um tempo, pois
primeiro é preciso aprovar legalmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo no
país.
"O grande problema seria o registro de estrangeiro, pois o Japão teria de
mudar toda a lei local – inclusive para os japoneses – para poder aceitar a
mudança de estado civil no documento."
O governo brasileiro também segue os mesmos passos dos Estados Unidos e do
Japão e, no ano passado, com base na manifestação do Supremo Tribunal Federal,
que reconheceu as uniões homoafetivas como estáveis, a Divisão do Pessoal do
Itamaraty passou a aceitar pedidos de inclusão de companheiros homoafetivos como
dependentes. Os primeiros requerimentos aceitos foram publicados em julho de
2011.
Visibilidade
De acordo com Patrick, o governo norte-americano apoia e encoraja os
funcionários públicos a assumirem sua sexualidade.
"A secretária (Hillary) Clinton disse que 'o direito dos gays é questão de
direitos humanos' e tivemos grandes progressos em relação à igualdade de
direitos, mas por causa da legislação federal ainda há limites", disse o
diplomata.
Por isto, o casal não tem medo de se expor, mesmo no Japão. "Foram várias as
ocasiões em que pessoas chegaram para nós e nos agradeceram porque viram ou
ouviram nós sermos nós mesmos", contou Emerson.
"Pessoas mais velhas e também jovens, muitos deles heterossexuais nos
agradecem por apenas mostrarmos o que somos de fato."
"Funcionários do governo nos recebem como um casal e nos tratam com a mesma
cortesia que tratariam outros diplomatas. Já nos encontramos com prefeitos e
governadores, empresários, acadêmicos e todo tipo de cidadão japonês. Sempre
fomos bem recebidos", ressaltou o norte-americano.
"Acho que as pessoas estão começando a aceitar a ideia de que um 'casal' pode
ser dois homens ou duas mulheres", emendou.
Emerson e Patrick já foram temas de reportagem em dois dos maiores jornais do
Japão e também da TV local. Eles também foram destaque na Parada Gay de Osaka,
no final de 2011, e devem participar da Parada do Orgulho Gay de Tóquio, em
abril próximo.
Para Emerson, um dos fatos mais marcantes foi quando o grupo de Mulheres
Nipo-americanas da região de Kansai o convidou para ser o presidente honorário.
Até então, tradicionalmente, essa posição era ocupada pela esposa do cônsul
americano.
"Recusei, mas continuaram insistindo. Elas, grande maioria senhoras acima dos
60 anos, disseram que o grupo – que existe há 35 anos – precisava se
modernizar", contou o brasileiro. "Numa eleição, todas disseram que não faria
diferença se o cargo de presidente fosse ocupado por uma mulher ou homem gay, e
que o importante seria o caráter da pessoa."
Ex-militar
Emerson é filho de um descendente de japoneses com uma "típica brasileira" –
"os ancestrais são uma grande mistura de europeus, índios e negros", conta. O
brasileiro, que atualmente faz duplo mestrado, nasceu e cresceu na região do
ABC, em São Paulo.
Aos 16 anos, ele ingressou na Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAer)
e, aos 18, já era sargento da Força Aérea Brasileira (FAB). Morava em
Pirassununga (SP) e tinha namorada. "Mas ainda assim não era feliz, faltava
algo, por isso o namoro durou muito pouco tempo", lembra.
"Sabia que tinha uma atração por homens, mas não entendia o porquê. Na força
aérea o gay é classificado como pederasta e era crime assumir. Não tinha em quem
me espelhar, eu não tinha exemplos a seguir, e além do mais corria o risco de
ser preso."
Os Ministérios da Defesa e da Justiça do Brasil querem derrubar o artigo do
Código Penal Militar, criado durante a ditadura militar, que pune a chamada
"pederastia". Mas o tema ainda está em discussão.
Em 1995, Emerson pediu desligamento da Força Aérea Brasileira e foi para o
Japão trabalhar em fábrica, como decasségui. Em 2002, durante a Copa do Mundo de
futebol, conheceu Patrick e, desde então, vivem juntos. Em 2007, eles
oficializaram a união no Canadá.
Emerson diz acreditar que o Brasil avançou nos direitos homoafetivos, mas
muito ainda há que ser feito. "Fico desanimado quando vejo que o país que tem a
maior festa gay do mundo é o mesmo em que se vê nos jornais quase todos os dias
gays sendo agredidos e mortos, e nas novelas e programas de humor gays sendo
ridicularizados", critica o brasileiro. "E isso não é um problema só dos gays,
isto é um problema da sociedade inteira."
No Brasil
Desde dezembro de 2006, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP)
passou a incluir entre os beneficiários de plano de assistência à saúde
suplementar "o companheiro ou companheira de união homoafetiva, comprovada a
co-habitação por período igual ou superior a dois anos".
A partir de então, a Divisão do Pessoal do Itamaraty começou a aceitar
pedidos de inclusão de dependentes de diplomatas. Estes beneficiários eram
incluídos nos assentamentos dos servidores para fins de assistência a saúde
apenas.
Em maio de 2010, o Itamaraty passou a autorizar também a concessão de
passaporte diplomático ou de serviço, além de solicitar visto de permanência em
favor de companheiros homoafetivos.
Já em relação a diplomatas estrangeiros que servem no Brasil, o Itamaraty os
credencia e concede os privilégios devidos, desde que respeitado o princípio da
reciprocidade de tratamento pelo outro país.
Dos países consultados, 37 até agora aceitaram conceder tratamento igual aos
companheiros homoafetivos de diplomatas brasileiros servindo no exterior.
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