Por Bruno
Bimbi(*)
Sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
4:16
O homem que quis ser vice-presidente do
Brasil nas últimas eleições chegou sozinho, vestindo paletó e camisa e, depois
de beijar umas senhoras que se aproximaram para cumprimentá-lo, caminhou
apressado até o banheiro do cinema, no shopping do Leblon, bairro chique da zona
sul do Rio de Janeiro. Após urinar, foi lavar as mãos e, a seu lado, um jovem
negro de camiseta branca ajustada ao corpo e boné cinza virado para trás olhou
para ele e lhe perguntou:
— Você é o Índio da Costa,
né?
— Sim — respondeu o ex-deputado e
ex-companheiro de chapa de José Serra, político tucano que perdeu duas vezes o
segundo turno presidencial: uma para Lula em 2002, e outra para Dilma, em 2010.
Depois da última derrota eleitoral com Serra, Índio da Costa deixou o partido de
direita no qual militava, de oposição, e ingressou numa nova força política que
se diz “nem de direita nem de esquerda” e se aproxima cada vez mais do
oficialismo. Nas eleições municipais deste ano, no Rio, apoiará o mesmo
candidato de Dilma, o atual prefeito Eduardo Paes, que busca a
reeleição.
— Prazer — disse o político, depois de
secar as mãos com uma toalha de papel e estender a direita para cumprimentar seu
interlocutor.
— O prazer é meu, meu nome é S. —
respondeu o rapaz, acrescentando: — Gostaria de dizer uma coisa. Sou gay e estou
muito enojado com os acordos que você fez durante a campanha com os pastores que
pregam o ódio contra os homossexuais. Você sabia que, graças ao discurso desses
caras com os quais vocês negociam votos e apoio político, há pessoas como eu que
são assassinadas todos os dias neste país? — indagou, fitando-o nos olhos. Os
seus brilhavam — Tem consciência dos danos que vocês provocam? Sabe por acaso
quanta gente tem a vida arruinada por causa disso?
(Durante a campanha, da Costa se reuniu
com líderes das igrejas neopentecostais fundamentalistas e lhes prometeu que, se
Serra ganhasse as eleições, não permitiria a aprovação do projeto de lei de
combate à homofobia que tramita no Congresso há anos, bloqueado pela bancada
evangélica. Posteriormente, quando os jornais publicaram o conteúdo da reunião,
ele desmentiu mas não integralmente, como se costuma fazer nestes casos, com
declarações ambíguas. Vale recordar que Dilma fez algo bem parecido. Mas a
campanha de Serra e seu companheiro usou os direitos dos homossexuais e o
direito ao aborto como eixos de uma investida suja contra sua adversária,
chegando a apelidá-la de “assassina de crianças”, com o respaldo de grupos
religiosos fundamentalistas).
— Não sou homofóbico, pode ter certeza.
Vocês deveriam preocupar-se com os evangélicos e não tanto com os políticos —
respondeu o ex-candidato a vice-presidente.
— Claro que nos preocupamos. Mas vocês
fazem acordos com eles, por exemplo com o pastor Malafaia. Vocês lhes dão espaço
político e visibilidade e deixam que essa gente defina o discurso de seus
partidos contra nossos direitos e nossa dignidade enquanto seres humanos. Vocês
aceitam o apoio desses pastores na campanha e os fazem subir ao palco em seus
atos públicos…
(Silas Malafaia, pastor evangélico,
referência do setor mais extremista da Assembleia de Deus, raivosamente obcecado
com os gays, a ponto de pedir em seu programa de televisão que se bata neles —
algo que aliás acontece com frequência — e compara as relações homossexuais à
zoofilia e à necrofilia. Nas últimas eleições, apoiou Serra publicamente e
participou de um de seus spots de campanha).
— Você sabe que esses pastores
representam uma parte importante do eleitorado —justificou-se o
político.
— Estima-se que 30% dos brasileiros
sejam evangélicos, mas os outros 70% não são, e Malafaia não representa todos os
evangélicos. Representa um pequeno grupo extremista, homofóbico e
antidemocrático, que afirma que nós, gays, temos que morrer ou sermos agredidos
na rua. E
vocês lhe dão espaço. Superestimam sua força, acham que
precisam dele, mas na realidade é ele que precisa de vocês para ter mais poder e
influência. Graças a vocês, ele pode participar de uma campanha eleitoral e
divulgar seu discurso, e pode até colocar pessoas de sua confiança nas listas de
candidatos.
— Malafaia investe muito em marketing e
na mídia. Isso lhe dá muito peso…
O ex-candidato começou a andar pelo
banheiro e foi abrindo, uma por uma, as portas de todas as cabines para
certificar-se de que não havia ninguém.
— O que você está fazendo? —
perguntou-lhe o jovem.
— Esta cidade está cheia de jornalistas!
Queria estar seguro de que estamos sós, para poder falar com tranquilidade —
disse, mas, com certeza, suas precauções não foram
suficientes.
— O que quero dizer é o seguinte —
continuou S. — você não é ingênuo. Você é um quadro político. E conhece bem as
consequências de suas decisões. Cara, você poderia ser vice-presidente, quase
chegou lá! Não é possível você me dizer o que está dizendo. Que tipo de
responsabilidade você tem? Enquanto fala do marketing e dos votos de Malafaia,
eles nos matam! A cada dois dias um gay é assassinado neste país. A cada dois
dias! Esse é o efeito do discurso homofóbico que estes caras, aliados teus, que
pedem o voto em você, ajudam a disseminar.
— Não sou homofóbico. No meu partido há
muitos gays. Alguns não se assumem por uma questão política, mas dentro do
partido, isso não é problema.
— Você entrou neste partido há bem pouco
tempo. Você militou a vida toda em um partido que é super homofóbico, um dos
mais homofóbicos…
(Da Costa milita no recém-criado PSD -
Partido Social Democrático, liderado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto
Kassab. Mas sua carreira política começou no PFL - Partido da Frente Liberal e
continuou, até há pouco tempo, no DEM — herdeiro do PFL. Foi esse partido,
curiosamente chamado de Democratas, que postulou a
vice-presidência, provocando uma crise na coalizão que apoiava Serra, já que o
candidato presidencial tinha preferência por outro vice).
— … Serra e você receberam apoio dos
pastores mais fundamentalistas. Eles dizem barbaridades terríveis sobre os gays
e buscam incidir politicamente contra nossos direitos — continuou reclamando o
jovem —. Como candidato, você poderia ter se manifestado contra isso, se você
não fosse realmente homofóbico. Poderia ter colocado um limite. Dizer a eles: se
querem participar da minha campanha, nada de discursos racistas, homofóbicos ou
que ofendam uma parte da população. Poderia ter impulsionado um pacto de não
agressão entre os demais candidatos com relação à temática gay, para que esta
não fosse usada como arma política. Se vocês correm pela direita para disputar o
voto evangélico, competem entre si para ver quem é mais homofóbico, e quem sai
perdendo somos nós. Você não tem ideia do quanto você ferra a vida de pessoas
como eu, que nunca te fez nada de mal. Para ganhar uma eleição, você caga em
mim!
— Mas o que você tá dizendo é
impossível. Não se pode fazer pactos de não agressão com tipos como Garotinho.
Isso não
existe…
(Anthony Garotinho, pastor evangélico
ultra homofóbico e ex-governador do Rio de Janeiro, condenado pela justiça
federal por associação ilícita com um ex-delegado de polícia que foi indiciado
como chefe de uma máfia formada por agentes de segurança, ficou livre ao trocar
dois anos e meio de prisão por trabalho comunitário e foi, apesar de tudo, o
segundo candidato a deputado mais votado nas últimas eleições em todo o país,
atrás apenas do palhaço Tiririca, que concorreu em São Paulo pelo mesmo partido,
o PR. Apoiou Dilma, que não quis aparecer ao lado dele, mas mesmo assim aceitou
o seu apoio).
— Eu creio que, sim, é possível! Se um
cara como você, candidato a vice-presidente pela oposição, se animasse a colocar
este debate... Mas você não faz isso. Então, por especulação política, vão
continuar nos ferrando. Será que não significa nada que nos
matem nas ruas, que nos agridam, que os pastores apoiadores da sua campanha nos
insultem pela televisão? Não é possível que você não perceba o estrago que vocês
causam!
O político chegou à conclusão de que a
conversa tinha chegado ao fim.
— Foi um prazer te conhecer—disse,
tentando ser simpático. Estendeu a mão ao jovem e se retirou do
cinema.
S. também saiu do banheiro. Seu namorado
e um amigo o esperavam para ir ver o último filme de Clint Eastwood sobre a vida
de J. Edgar Hoover, com Leonardo Di Caprio no papel principal (muito bom,
diga-se de passagem).
— Por que demorou tanto? Tava transando
com ele no banheiro? — perguntou-lhe o amigo, diante do namorado que
ria.
— Não. Olhei bem nos olhos dele e disse
tudo o que estava entalado na minha garganta e estava com vontade de lhe
dizer.
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(*) O jornalista argentino gay Bruno Bimbi é escritor e
mestrando em Letras no Rio de Janeiro onde reside
atualmente.
Traduzido do original em espanhol por Lula Ramires
(lularamires@terra.com.br)
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