quarta-feira, janeiro 04, 2012

O que é isso, Presidenta?

por Maria José Rosado, das Católicas pelo Direito de Decidir

É costume dizer que no fim do ano não se deve comer peru ou qualquer outra
ave que “cisque para trás”, pois significaria arriscar-se a viver todo o
novo ano andando de marcha a ré.

Neste final de 2011, enquanto no Uruguai, seguindo o que aconteceu no México
e na Colômbia, o Senado aprova a descriminalização do aborto, no Brasil
vivemos o retrocesso.

Nesses países, como também na Argentina, amplas discussões na sociedade
apontam na direção de mudanças legais que efetivem o respeito aos direitos
humanos das mulheres. Em nosso país, uma Medida Provisória – instrumento
herdado do autoritarismo da ditadura militar – decretada em momento oportuno
para evitar o debate e a crítica, quer tornar compulsória a maternidade para
as mulheres brasileiras.

Nenhum artifício de retórica poderá convencer de que a Medida não diz o que
efetivamente diz: Todas as gestantes brasileiras estarão sob a vigilância do
Estado e das forças mais reacionárias da sociedade para impedir que a
maternidade se realize em nosso país de forma digna do ser humano: como
resultado de escolha e decisão pessoal.

A MP assinada pela Presidenta implanta no Brasil a figura da maternidade
constrangida. A criação de um cadastro nacional de gestantes havia já sido
proposto por um ex-deputado que declarou alto e bom som seu objetivo:
combater o aborto. Ora, o Brasil é signatário de documentos internacionais
em que se comprometeu a respeitar os direitos das mulheres, especialmente em
relação à sua capacidade reprodutiva.

O que lev a então o Governo, na figura de sua mais alta representante, a
desrespeitar suas próprias decisões políticas? Estaremos diante de uma
teocracia disfarçada? Foram públicas e explícitas as pressões de setores
religiosos conservadores, contrários à vida das mulheres na última campanha
eleitoral. Será então esse cadastro nacional parte do cumprimento de
compromissos assumidos naquele momento com tais setores?

Se assim é, repetimos a pergunta: O que é isso, Presidenta? Nossa
Constituição, fruto de debate democrático, estabelece respeito às religiões,
mas impede o Estado de guiar-se por princípios que impeçam a realização das
liberdades individuais, inclusive a de não professar qualquer crença. Não se
pode impor doutrinas e valores particulares de grupos religiosos a toda a
sociedade. É vergonhoso que, na América Latina, seja o Brasil o país do
retrocesso em relação à vi da das mulheres, aos seus direitos e à
possibilidade da realização livre e desejada da maternidade.

Maria José Rosado é presidenta ONG Católicas pelo Direito de Decidir

http://www.viomundo.com.br/politica/maria-jose-rosado-o-que-e-isso-president
a.html

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