Poucos livros há que tenham sido usados para defender tantas idéias diametralmente opostas e conflitantes entre si como a Bíblia, a campeã do uso indevido de texto. Observe-se que cada igreja tem sua própria versão deste livro, desautorizando com um fulminante anathema sit, a excomunhão, as versões propostas por outras igrejas.
Assim, para aquelas que acreditamos em
Deus e para quem a Bíblia tem um peso de revelação do divino, a
manipulação do Livro Sagrado para combater a homossexualidade pode ser
algo que nos enche de aflição e angústia.
Por isso, não hesitei em participar do
curso sobre a Bíblia e a homossexualidade, organizado pela igreja de
Saint Bartholomeu, de orientação anglicana, quando estive em maio deste
ano em Nova York. Aproveito, pois para apresentar aqui um outro enfoque
sobre a Bíblia, aquele que ministros e ministras anglicanos discutiram
conosco nos idos da primavera nova-iorquina.
A primeira coisa que os
tradicionalistas dizem para condenar a homossexualidade é que Deus nos
criou homem e mulher para que, pelo sacramento do matrimônio, tivéssemos
filhos. Há entre estes tradicionalistas quem diga que as Escrituras,
clara e inequivocamente, declaram que a homossexualidade é um pecado
contra Deus. Na verdade, a Bíblia não é tão clara nem tão inequívoca a
este respeito.
Veja-se Gênesis 1:27: “e Deus os criou
homem e mulher”, que tem sido usado para afirmar o princípio da
heterossexualidade. Deus nos fez homem e mulher, mas a Bíblia em momento
algum diz qual é a norma que deve pautar o relacionamento
afetivo/sexual entre estas criaturas: se deve ser entre homem e mulher
ou entre dois homens ou duas mulheres. Nada há ali prescrito, tão
somente uma afirmação de que Deus nos fez homem e mulher. Há que se
levar em conta também que as idéias e entendimentos sobre a sexualidade
têm se alterado ao longo dos séculos. Nos tempos bíblicos, as pessoas
não compartilhavam de nosso conhecimento e costumes sexuais, assim como
nós não temos como conhecer a experiência sexual dessas pessoas que
viveram em tempos ancestrais. Não há, pois, como comparar vivências e
costumes tão diversos. Basta citar, como exemplo, o amor romântico. Este
amor não aparece na Bíblia, que nem sequer suspeita de sua existência. O
amor romântico é invenção recente: originou-se na Provence (França), no
século 10, tendo sido divulgado inicialmente pelos trovadores, de feudo
em feudo, depois pelos românticos no século 19 e por Hollywood no
século 20. Esta concepção de amor não existe na Bíblia, assim como não
existe nela a atual concepção de relacionamento gay ou lésbico.
Outra passagem usada pelos
tradicionalistas para combater a homossexualidade é a de Sodoma. Esta
passagem lança uma condenação, não à homossexualidade, mas à falta de
hospitalidade (vide Gênesis, 19:1-9) e à opressão sobre os fracos e
desamparados (vide Ezequiel, 16:48-49). Sodoma é um termo usado em uma
dúzia de passagens bíblicas como sinônimo do mal, mas em momento algum é
utilizado como sinônimo de homossexualidade. Os homens de Sodoma
tentaram dominar os estrangeiros hospedados na casa de Lot,
subjugando-os pela agressão e abuso sexual. Tal atentado em grupo tem a
ver com estupro coletivo, humilhação e violência e não com
homossexualidade. Os tradicionalistas manipulam o texto, porque Lot
oferece as filhas para o estupro coletivo, dizendo aos habitantes de
Sodoma que podem fazer o que quiserem com elas, mas que poupem seus
hóspedes, os dois estrangeiros. Os habitantes querem os estrangeiros,
não por sensualidade, mas por xenofobia, para humilhá-los.
Outra coisa a se considerar é que há
passagens na Bíblia que defendem, expressamente, comportamentos e
regimes que hoje em dia são inaceitáveis, tais como, a escravidão. Há
mais de uma centena de anos que ninguém mais se atreve a lembrar essas
passagens para defender a escravatura. Mas está lá em São Paulo, que
manda aos escravos serem obedientes e servis aos seus senhores terrenos
como o são a Cristo... Também o anti-semitismo está justificado em
passagens de São Paulo (vide I Tessalonicenses 2:14-15): “pois também
vós sofrestes dos vossos compatriotas o que eles sofreram por parte dos
judeus; eles que mataram o Senhor Jesus e os profetas, também nos
perseguiram, não agradam a Deus e são inimigos de todos os homens”. A
subjugação das mulheres é igualmente advogada por São Paulo (vide I
Timóteo, 2:11-12): “a mulher deve guardar silêncio, com toda submissão.
Não permito à mulher que ensine”.
Por outro lado, quando a Bíblia afirma em Levíticos 18:22 que a homossexualidade é uma abominação, ela a julga tão abominável como o o comer moluscos, Levíticos 11:10. Assim, são hoje inúmeros os teólogos que afirmam não haver na Bíblia texto expresso sobre a homossexualidade, tal como é entendida hoje. A Bíblia é, pois, um closet vazio, não há nada de específico sobre homossexualidade, nada nos diz sobre ela, tal como é entendida hoje. Mas tem muito a dizer sobre a graça de Deus, sua justiça e misericórdia. Jesus resumiu a lei de Deus mais importante contida na Bíblia: “Ame a Deus com todo seu coração, corpo e alma e ao seu próximo como a si mesmo”. Este é o melhor mandamento divino. E intolerância, com certeza, está fora disto.
Por outro lado, quando a Bíblia afirma em Levíticos 18:22 que a homossexualidade é uma abominação, ela a julga tão abominável como o o comer moluscos, Levíticos 11:10. Assim, são hoje inúmeros os teólogos que afirmam não haver na Bíblia texto expresso sobre a homossexualidade, tal como é entendida hoje. A Bíblia é, pois, um closet vazio, não há nada de específico sobre homossexualidade, nada nos diz sobre ela, tal como é entendida hoje. Mas tem muito a dizer sobre a graça de Deus, sua justiça e misericórdia. Jesus resumiu a lei de Deus mais importante contida na Bíblia: “Ame a Deus com todo seu coração, corpo e alma e ao seu próximo como a si mesmo”. Este é o melhor mandamento divino. E intolerância, com certeza, está fora disto.
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