terça-feira, novembro 15, 2011

O transexualismo na TV: debate importante, despreparo constante

 
Ontem o programa "Super Pop" (Rede TV), apresentado por Luciana Gimenez, abordou o tema "transexualismo", que já não é de hoje que tem sido pauta de alguns programas televisivos. Outro dia até comentei aqui sobre "A Liga" (Band), que tratou desse mesmo assunto com bastante clareza e seriedade. Desta vez o enfoque foi maior para o 'trans homem" (ou "homem trans") --o indivíduo que nasceu com corpo de mulher mas sempre se sentiu um homem.
Não se poderia dizer que o 'Super Pop' tenha tratado o tema com leviandade. Não. Pelo contrário. A produção preocupou-se em escalar convidados interessantes e bastante envolvidos na questão para darem seus depoimentos. Além deles, o urologista especializado em cirurgias de 'mudança de sexo', por assim dizer, Dr. Carlos Cury --que esteve incumbido de esclarecer toda a parte técnica do procedimento. O que transpareceu foi um certo despreparo da parte da apresentadora para conduzir o debate.
Três depoimentos de indivíduos em situações diferenciadas foram essenciais para explanar o assunto. O escritor João Nery, que está lançando o livro "Viagem Solitária" e esteve recentemente dando uma longa e esclarecedora entrevista para Marília Gabriela no "De Frente com Gabi" (SBT). Autodenominando-se "trans homem", João Nery contou a sua experiência com requintes de detalhes e muita clareza de ideias, sem subterfúgios nem evasivas. Consciente e muito articulado, soube colocar a questão do 'sentir-se um homem no corpo de uma mulher' com muita propriedade e lucidez de raciocínio. Um depoimento interessante e esclarecedor. João Nery não chegou a completar todas as cirurgias necessárias para concretizar fisicamente a mudança de sexo. O que não o impediu de estar no quarto casamento, sempre com mulheres --é claro.
Durante a conversa com João Nery, a produção se valeu de diversos 'takes' retirados da entrevista de Marília Gabriela, que, indubitavelmente, consegue sempre demonstrar um grande domínio sobre o assunto que vai tratar com seus entrevistados. Luciana Gimenez pisava em ovos frente ao seu convidado, e só parecia relaxar um pouco depois de assistir um outro trecho de Marília Gabriela que, então, lhe dava subsídios para continuar o bate-papo.
O segundo convidado foi o jovem (21) Leonardo Tenório. Ele também nasceu num corpo com características femininas, mas nunca se identificou com o gênero. Já adolescente, assistiu a um documentário na televisão sobre o 'transexualismo' e, ao se identificar com o conteúdo, resolveu ir em busca de sua 'readequação sexual'.
"Você é uma menina?!", arriscou a apresentadora Luciana um tanto insegura. "Não", respondeu imediatamente Leonardo-- "você é uma menina e eu sou um homem! Um homem num corpo de menina!". Léo já está terminando o período de dois anos de preparo psicológico que é exigido do candidato para poder efetuar a cirurgia propriamente dita. Tanto pelo SUS, que já oferece essa possibilidade, quanto pela via particular, esse protocolo é exigido igualmente.
Ele não vê a hora de realizar todo o processo e sentir-se um homem completo. De corpo, porque de alma sempre se sentiu, confessou o jovem. O depoimento de Leonardo foi importantíssimo. Tranqüilo, educado, sereno, mas seguro de seus objetivos e também com muita clareza do conteúdo em debate --não foi fácil para Luciana Gimenez coordenar a rapidez de raciocínio do rapaz com as parcas informações contidas em suas fichas e, pior, em suas desajeitadas investidas de improviso.
Numa pequena ousadia da produção, Léo foi levado a um shopping para fazer as vezes de um repórter da emissora e entrevistar algumas pessoas sobre o tema, sem identificar-se como trans homem.
Uma senhora madura que passava foi abordada e, quando questionada sobre a possível cirurgia de mudança de sexo, respondeu: "eu odeio isso! No meu tempo não tinha isso. Homem era homem, mulher era mulher!". Quando foi avisada de que Léo era originalmente uma mulher, respondeu sem susto:"não acredito".
Um senhor também foi testado. "Homem nasce homem e tem que morrer assim. A mulher a mesma coisa. Não tem esse negócio de trocar!". Em seguida, uma jovem que se disse 'missionária', afirmou categórica: "Quem muda é só Jesus! Não precisa fazer cirurgia no corpo. Jesus muda a mente da pessoa e ela volta a ser o que era".
Ao ouvir essa declaração, João Nery replicou do estúdio: "então eu também apelo para o Cristianismo: amai-vos uns aos outros"!
Ainda participou da roda Thammy Miranda, a filha da cantora Gretchen --homossexual assumida. Contou que demorou para se aceitar, mas que agora leva numa boa e não gostaria de fazer cirurgia nenhuma. "Eu sou lésbica, mulher que gosta de mulher - não tenho que operar nada".
Luciana Gimenez, embora não dominasse o assunto o suficiente para mediar o debate, mostrou-se muito à vontade ao abrir o espaço do seu programa para mais uma vez discutir esse universo que ainda precisa ser'digerido' melhor por muitos e, principalmente, dar a oportunidade dos próprios envolvidos esclarecerem de viva voz o que passam e o que sentem.
De repente o jovem Léo vira para Luciana Gimenez e pergunta: "você tem um filho...se amanhã ele aparecer pra você e disser que quer ser uma menina, você expulsaria ele de casa?"
"Nunca! Eu nunca expulsaria um filho meu de casa. Acho que uma mãe que ama não faz isso --ao contrário, traz ele mais pra perto". Do que tinha demonstrado de despreparo para a entrevista, Gimenez mostrou, com essa resposta, um bom preparo para a vida.
Para encerrar o programa, os contatos de praxe. Para achar o Dr. Carlos Cury e saber mais sobre a questão da cirurgia de mudança de sexo, o site transexual.com.br. O Leonardo Tenório eu achei no ftmbrasil.blogspot.com. O escritor João Nery, a primeira mulher a mudar de sexo no Brasil (1977), estará no lançamento do seu livro "Viagem Solitária" (Editora Leya) - Livraria Argumento --dia 3 de novembro, a partir das 19:30 h, na rua Dias Ferreira, 417 - Leblon (Rio de Janeiro). Thammy? Só mandou um beijo para os fãs!
A apresentadora Luciana Gimenez, ao se despedir, equivocou-se ainda uma vez: "O importante é o respeito", disse ela --até aí, perfeito. Mas tropeçou ao continuar o seu raciocínio: "se você não entende, tudo bem, não precisa entender... só respeite". Não, não está tudo bem em não entender. As pessoas não costumam respeitar aquilo que não entendem. O ideal é continuar 'preparando' programas que tragam o assunto sim, mas que justamente sirvam para esclarecer mais e mais o que as pessoas 'não entendem'. E passem a entender. Entender para aceitar. Aceitar, aí sim, para respeitar.

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