O termo transgênero data dos anos oitenta. Sua origem é geralmente atribuída a Virgínia Prince, que o cunhou para designar travestis masculinos heterossexuais (crossdressers) nos seus pioneiros livros de auto-ajuda intitulados O Travesti e Sua Esposa e Como Ser Uma Mulher Sendo Homem (The Transvestite and His Wife e How To Be a Woman though Male).
Até pouco tempo, existiam apenas dois “rótulos” básicos para os “transgressores” de gênero – travesti e transexual – que deviam cobrir todas as variações de gênero. As classificações mais recentes compreendem inúmeras outras categorias, desde o “crossdresser” de armário até as transexuais pré e pós operadas, passando pelos transformistas e drag queens. Dentro da comunidade transgênera, tornaram-se freqüentes acalorados debates sobre quem pertence a que grupo, quem tem direito a que título, quem é genuíno e quem é “fake” (falso). Em função dessas classificações e subclassificações internas, surgiu uma verdadeira hierarquia transgênera dentro da comunidade transgênera. E essa preocupação por classificar e “excluir” acabou sendo um grande instrumento auxiliar da sociedade no seu trabalho de marginalizar e estigmatizar variações de gênero.
O termo ‘transgênero’ surgiu dentro deste pantanal terminológico como um denominador geral do grupo, classificando todos os seus membros com base nos seus desvios relativamente ao comportamento socialmente esperado do gênero em que foram classificados ao nascer. O conceito se aplicaria a qualquer indivíduo que, em tempo integral, parcial ou em momentos e/ou situações específicas da sua vida, demonstre algum grau de desconforto ou se comporte de maneira discordante do gênero em que está enquadrado. Mas, evidentemente, devido às inumeráveis disputas entre os numerosos subgrupos de indivíduos portadores de alguma forma de disforia de gênero, o termo transgênero está longe de ser aceito por todos como designação geral dos indivíduos portadores de quaisquer tipos de desvios de gênero.
Definições
Inicialmente o termo foi aplicado referindo-se a indivíduos, como o cantor Prince, que viviam full-time um papel social não tipicamente associado ao seu sexo de nascimento, mas que nem por isso recorriam à cirurgia genital para dar suporte à sua “variação de gênero”. A lógica do termo é que, enquanto os travestis trocam suas roupas episodicamente e os transsexuais buscam uma mudança definitiva do seu gênero social, transgêneros promoviam uma mudança sustentada do seu gênero social através de meios não cirúrgicos.
A partir da publicação, em 1992, do panfleto de Leslie Feinberg, intitulado Liberação Transgênera: A Hora Desse Movimento Chegou (Transgender Liberation: A Movement Whose Time Has Come), mais tarde expandido para tornar-se os livros Guerreiros Transgêneros (1997) e Trans Liberação: Além do Rosa ou Azul (Transgender Warrior e Trans Liberation: Beyond Pink or Blue).
Foi a partir de Feinberg que o termo transgênero tornou-se um guarda-chuva para abrigar uma aliança política entre todos os portadores de variações de gênero não-conformes aos comportamentos sociais tipicamente esperados de homens e mulheres comuns e que, como resultado disso, sofrem opressão política. Dessa maneira, o termo passou a abrigar não apenas transgêneros do tipo Prince, mas também travestis e transsexuais (tanto masculinos quanto femininos), andróginos, lésbicas masculinizadas, homossexuais masculinos efeminados, drag queens, gente que prefere responder a novos pronomes ou a nenhum, homens e mulheres heterossexuais fora dos estereótipos habituais, indivíduos interssexuados, membros diferenciados de certas sociedades, como os Berdaches norte-americanos, as hijras indianas, os mahu da Polinésia, os xanith Omani, os “maridos femininos” africanos e as “virgens juramentadas” dos Bálcãs.
A Liberação Transgênera
Feinberg, um marxista, coloca a tese histórica que a variação de gênero é uma parte intrínseca da cultura humana que sempre foi honrada e reverenciada nas sociedades pré-capitalistas, mas que foi suprimida dentro do capitalismo. Na opinião dele, a Liberação Transgênera requer a superação do capitalismo, como qualquer mudança social revolucionária deve necessariamente conter a Liberação Transgênera.
Embora a análise marxista de Feinberg do fenômeno transgênero não tenha sido amplamente abraçada, a sua redefinição do termo transgênero e a sua lincagem com uma agenda de justiça social progressiva tornou-se imensamente influente. Passados poucos meses da publicação do panfleto de Feinberg, em 1992, um grupo ativista de San Francisco, CA, autodenominado Nação Transgênera formou um grupo especial de interesse dentro do Queer Nation, e tornou-se a primeira expressão organizada de um grupo de militância política associado ao termo transgênero.
Significados controversos
Ao longo dos anos noventa, uma complexa identidade (e pós identidade) política cresceu em torno do termo transgênero. Para alguns, o termo representaria um poderoso conceito servindo como base para analisar e representar todo o espectro da diversidade humana ao longo da história e das culturas. Para outros, representaria apenas um rótulo auto-aplicado representando somente pequenos segmentos dentro da variação de gênero muito mais ampla existente na população. Alguns transsexuais têm visto no termo uma rejeição à cirurgia genital enquanto outros vêem a rejeição ao uso do termo como uma atitude conservadora e apolítica.
O termo é sempre cogitado para representar uma moldura epistemológica pós-moderna que promove uma quebra entre o “significante” de gênero e o “signo” ou referente do sexo incorporado, e assim ele é rejeitado ou aceito nessas bases.
Dentro dos contextos euro-americanos, transgênero tem sido visto algumas vezes como um termo originado nos círculos acadêmicos da elite branca e outras vezes na base de um progressivo e inclusivo movimento pelos direitos de gênero. Fora dos Estados Unidos e da Europa, ele tem sido freqüentemente percebido como um termo aplicado de um modo colonialista às culturas locais de gênero; outras vezes, como veículo para celebração de alianças entre grupos que, apesar de divergentes, sofrem de formas específicas de opressão de gênero.
As divisões primárias quanto ao uso se estabelecem entre se o potencial universalizante do termo obscurece as diferenças significativas entre as várias formas e localidades específicas de gênero ou se o potencial redutor do termo enfraquece a ação significativa e a análise dirigida a uma crítica mais sistematizada das estruturas sociais.
Termo estabelecido
Mais notável do que a diversidade de opiniões a respeito do significado e das conseqüências políticas do termo transgênero é a velocidade assustadora na qual ele se tornou um termo estabelecido, ainda que sofrendo contestações. Como o antropólogo David Valentine demonstrou, o termo transgênero se tornou um conceito bem estabelecido na mídia popular, dentro da comunidade glbts, publicações acadêmicas, e áreas de saúde pública e serviço social, com status suficiente nessas últimas para receber fundos e aplicações já a partir de 1995.
(Texto traduzido e adaptado do verbete original “transgender”, em http://www.glbtq.com/social-sciences/transgender.htm)
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