O ESCÂNDALO DA CRUZ ATUALIZADO NA CELEBRAÇÃO DO AMOR
Qui, 04 de Agosto de 2011 15:35
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Caras amigas e amigos, caros familiares, militantes do movimento LGBT, do Movimento Negro, do Movimento Feminista, do Movimento Estudantil e de outros movimentos sociais, ilustríssimos acadêmicos e parlamentares presentes nesta 3ª Celebração de Casamento Coletivo da Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo, realizada em parceria com o Centro Acadêmico XI de Agosto, permitam-me a liberdade de chamar a todos e todas de irmãos e irmãs. E ao identificá-los como irmãos e irmãs, filhos e filhas de Deus, não quero tornar-vos confessantes da fé identificada como dogmatismo cristão. Quero manifestar meu amor fraterno pela diversidade e com o merecido respeito às suas religiões, bem como ao direito de não professarem nenhuma fé, pois a maior riqueza que pode existir entre mulheres e homens é a diversidade. E nessa diversidade é que vos chamo irmãos e irmãs por sermos todos seres humanos. Talvez, para muitos, possa parecer escândalo ouvir isso. Bem como, para outros, possa ser escândalo esta celebração. Se alguém acha que esta celebração é escândalo, verão que não é nada diante do maior escândalo que fundou a história do Cristianismo: o Escândalo da Cruz. Talvez pareça estranho, em um momento festivo como este, falar de um tema que tradicionalmente é tratado na Quaresma. Mas essa estranheza deve-se ao fato de estarmos acostumados a entender a mensagem da Cruz, como mensagem de morte e não de vida. Como mensagem de morte, a cruz é usada como instrumento de opressão, de silenciamento e de terrorismo social. Como mensagem de morte, a cruz é usada para excluir, para amedrontar, para oprimir e para violar os Direitos Fundamentais da Humanidade. Pois quero propor-lhes uma outra abordagem que estabelece relação direta com este momento solene. Quero convidá-los à compreensão da Cruz como mensagem de vida. E como mensagem de vida, quero tratar do Escândalo da Cruz atualizado na celebração do amor. A mensagem de cruz, como mensagem de vida, é a alegorização dos Direitos Humanos, da inclusão e do combate a toda forma de opressão. E é como mensagem de vida que eu os convido a meditarem neste símbolo máximo da fé cristã.
O profeta Isaías nos anuncia em seu texto, capítulo 53, a partir do versículo 4:
Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o SENHOR fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos. Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca. Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do Senhor prosperará em suas mãos. Depois de ter pago com sua vida, ele verá uma descendência, ele será cumulado de dias; logo que conhecido, justo, ele distribuirá a justiça, em benefício das multidões, pois a iniqüidade delas toma sobre si.
Hoje, a cruz perdeu seu sentido primeiro e tomou um sentido mágico, fetichista, considerada por alguns como tendo poderes sobrenaturais e, com isso, ignoram seu significado histórico. Naquele tempo, a morte de cruz era a forma mais vil que se poderia condenar alguém. A morte de cruz era a pena máxima destinada aos piores criminosos contra o Império Romano. É a morte como exemplo para que o povo temesse o poder do Imperador. Ao submeter-se a tal pena, Cristo se coloca na condição mais vil que um homem pode ser posto. Condenado com outros dois criminosos, ele ocupa o meio dessa condenação. Tomando o lugar do pior dos criminosos, ele se pôs como o pior de todos nós. O Deus, tornado homem, ao submeter-se a pior condição que um homem pode ser colocado, mostra-nos que ninguém está em condição inferior a Ele. Ao submeter-se à morte de cruz, Ele demonstra que todo homem, toda mulher está equiparado na mesma condição. A morte de Cristo na Cruz implode qualquer lógica de merecimento, implode qualquer lógica de hierarquia que a humanidade queira implementar para si. O parâmetro primeiro dessa equiparação é o Deus tornado homem. Como Deus tornado humano, coloca-se como o melhor da raça humana. Ninguém está acima dEle.
Contudo, o melhor de nós, o próprio Deus tornado homem, condicionou-se à pior morte, tornando-se o pior de todos nós. Se a base inicial da fé cristã, o nascimento do Cristo, coloca-o, na condição humana, como o melhor da humanidade, sua morte, submetendo-se à pior condição humana, junta em si as duas partes dessa condição: o melhor e o pior como dois lados da mesma moeda. E nesse movimento de conjunção moral, todos se juntam a ele numa relação de horizontalidade em direitos. O Escândalo da Cruz manifesto por Cristo deve ser entendido como a equiparação de direitos que tornam todas as pessoas em sua diversidade iguais como irmãos e irmãs. A morte de Cristo é escândalo, pois coloca no mesmo nível, nem acima, nem abaixo, toda humanidade. O Escândalo da Cruz é a plena alegoria de que todas e todos nós em nossas inúmeras diferenças e particularidades, não somos melhores do que o Cristo nascido, mas também não somos piores, pois o pior lugar Cristo tomou para si.
A Igreja Cristã, tanto Católica, quanto Protestante, ao refundarem a lógica de hierarquização em suas estruturas, passaram a negar o Escândalo da Cruz. Pois hoje é tempo de dizer em alto e bom som que ninguém é melhor ou pior que ninguém, pois fomos nivelados com Cristo no Escândalo da Cruz. Se um dentro nós, pode gozar de um direito, esse direito deve ser entendido como Universal. Se o amor é direito garantido, toda humanidade deve gozar desse direito na riqueza da diversidade. A violação de qualquer direito é a negação do próprio Cristo. O Escândalo da Cruz é a alegorização dos Direitos Humanos plenos e universais. Toda vez que a violação dos Direitos Humanos foi praticada em qualquer lugar do mundo, Deus levantou mulheres e homens para atualizar o Escândalo da Cruz em suas lutas, no combate a violação desses Direitos. Uma vez que essa violação foi praticada recorrentemente depois de Cristo, também o Escândalo da Cruz atualizou-se de diferentes maneiras e na luta de diferentes personagens históricas que faço questão de relembrar.
Deus atualizou na luta de Zumbi dos Palmares e muitos outros Quilombolas, o Escândalo da Cruz, para a liberdade de milhares de escravos negras e negros vitimados pelo ódio e pelo abuso de seus algozes na vergonhosa história da Escravidão no Brasil. Deus atualizou em Rosa Parkson e em Marthin Luther King, o Escândalo da Cruz, para combater o racismo nos Estados Unidos e denunciar a violência praticada pela Ku-klux-klan. Deus atualizou em Mahtma Ghandi, o Escândalo da Cruz, para combater a servidão do povo indiano à Coroa Inglesa.
Deus atualizou em Nelson Mandela, o Escândalo da Cruz, para acabar com a vergonha do Apartheid na África do Sul. Deus atualizou na Irmã Dulce, o Escândalo da Cruz, em defesa de idosos, doentes, pobres, crianças e jovens carentes na Bahia. Deus atualizou na luta de Mãe menininha do Gantois, o Escândalo da Cruz, em defesa da liberdade religiosa de matrizes afro, num contexto de freqüente perseguição e invasão da polícia nos terreiros de Candomblé em Salvador. Deus atualizou na dedicação e no trabalho de Madre Teresa de Calcutá, o Escândalo da Cruz, para o combate da miséria e da fome de milhares de famílias em Calcutá, na Índia. Deus atualizou na indignação e na obra do Reverendo Troy Perry, o Escândalo da Cruz, para o anúncio do Evangelho Inclusivo a milhares de LGBT em mais de 38 países. Deus tem atualizado do Oriente ao Ocidente, em mulheres e homens, o Escândalo da Cruz, na luta contra toda e qualquer forma de Violação dos Direitos Humanos.
E nesta noite, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, Deus tem levantado a Igreja da Comunidade Metropolitana, o Centro Acadêmico XI de Agosto e todas e todos aqui presentes, por não termos medo de nos posicionarmos em defesa do amor, em defesa dos Direitos Humanos e em defesa da vida. Deus tem atualizado em cada um de nós o Escândalo da Cruz, para que haja equiparação de Direitos no amor manifesto por Daniele e Patricia, Celso e Flávio, Lara e Kin, Alexander e Roberto, José Luis e António José, Mara e Lucia, Tom e Miel, Luciana e Paula, José Nilton e Luiz Tenório, Tony e David, Jean e Arthur, Edivaldo e Fernando.
Essa atualização do Escândalo da Cruz é a atualização sublime do amor de Deus em Cristo Jesus pela humanidade. É a atualização do amor em sua diversidade dentro do novo mandamento de Cristo: Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei. Este mandamento não é apenas uma exegese cristã, nem fetichismo religioso, mas o convite para uma prática de vida pautada no respeito humano. Corajosamente, a diretoria da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, entendendo essa mensagem como um valor humano que ultrapassa as barreiras da religião, escolheu-o como tema da Parada de amanhã. O Escândalo da Cruz é amor porque rompe as barreiras da hierarquia, da meritocracia, da exploração do homem pelo homem. O Escândalo da Cruz não é mensagem de morte, mas de vida, porque é mensagem de amor que preserva e humaniza. O Escândalo da Cruz aponta para aquilo que foi muito bem sintetizado pela grande Rosa Luxemburgo: Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.
Que a mensagem manifesta no Escândalo da Cruz de Cristo possa calar profundamente em nosso coração como a certeza do amor que nos humaniza, do amor que nos torna irmãos e irmãs. Que este amor seja o dinamus de nossa prática política cotidiana em defesa irrestrita e incansável dos Direitos Humanos. Que ninguém venha nos dizer qual a forma correta de se amar, restringindo nossa humanidade e nossos sentimentos, pois nada mais estranho do que o amor pela humanidade manifesto por Cristo no Escândalo da Cruz. Ou como diria Machado de Assis: Cada qual sabe amar a seu modo; o modo pouco importa; o essencial é que saiba amar.
Seja a nossa orientação humana, política e social a prática do amor como atividade que nos impulsiona para a radical liberdade inclusiva, pois como afirma Shakespeare:O amor só é amor, se não se dobra a obstáculos e não se curva às vicissitudes; é uma marca eterna que sofre tempestades sem nunca se abalar. Que não seja o medo que nos impulsione, mas o amor; que não seja a covardia que nos oriente, mas o amor; que não seja, nem os caprichos da politicagem, nem o egoísmo, nossos conselheiros, mas o amor. O amor que, como definiu Stendhal, é uma flor delicada, mas é preciso ter a coragem de ir colhê-la à beira de um precipício.
Para concluir: a equiparação dos Direitos Humanos, o fim da exploração do homem pelo homem que pauta nossa cultura capitalista, a defesa de uma sociedade pautada pela liberdade, pela dignidade e pela fraternidade só se alcançará na conseqüência prática do amor. Não o amor piegas, capricho burguês que nos limita a tornar o outro como posse nossa. Mas o amor que nos ensina a doar-nos ao outro, a viver uma liberdade pautada pela responsabilidade, pela justiça e pela comunidade. Na definição de Karl Marx: O amor é o meio pelo qual o indivíduo se torna pessoa. Ou conforme define o grande dramaturgo francês Molière:
O amor é um mestre admirável que nos ensina a sermos o que nunca fomos; e, muitas vezes, com as suas lições, muda completamente, num instante, os nossos costumes.
Amém!
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