A força para erguer e destruir coisas belas ou o dia do “orgulho hétero”
“E quem vem de outro sonho feliz de cidade, aprende depressa a chamar-te de realidade” (Caetano Veloso, Sampa)
Blogs e sites internacionais repercutiram a aprovação pela Câmara Municipal de São Paulo, na última terça-feira, 2 de agosto, do projeto que cria o “Dia do Orgulho Hetero”. O tom variou entre o espanto e o escárnio. Como a cidade que tem a maior Parada do Orgulho LGBT do mundo aprova uma lei ridícula e que atenta contra a cidadania de milhões?
Uma parte das pessoas tende a relativizar a criação da data “comemorativa” considerando-a apenas uma bobagem inócua - que visa a promover (e dar 15 minutos de fama) ao autor do projeto, Carlos Apolinário (DEM), um político conservador e religioso homofóbico.
Infelizmente, não se trata somente disso. No atual contexto, a posição da maioria da Câmara Municipal é um reforço ao caldo de cultura da intolerância. Fortalece o conservadorismo, a extrema-direita, as ideias neofascistas. Temos assistido, nos últimos meses, em São Paulo, e no Brasil, ao recrudescimento da violência homofóbica – bem como do racismo, do sexismo, da xenofobia (vide preconceito contra nordestinos).
Criar o “dia do orgulho heterossexual” não é só uma brincadeira de mau gosto. Trata-se de sancionar a homofobia. A conexão é imediata: na quarta-feira, 3 de agosto, adolescentes gays apanharam no Metrô Anhagabaú. É dar um passe-livre para os machistas e homofóbicos. Se a Câmara Municipal de São Paulo considera relevante destacar o “orgulho heterossexual” é porque lésbicas, gays, bissexuais,travestis e transexuais não são “normais”, são corpos abjetos, são menos humanos. Quem sabe são “gente diferenciada”. Logo, merecem ser ridicularizados, hostilizados, violentados, agredidos e até mortos. Por que não?
Atravessamos um momento paradoxal. Quanto mais avanços temos no que diz respeito aos direitos das mulheres, à promoção da igualdade racial, ao combate à pobreza, à cidadania LGBT (com a vitória da união estável e do casamento gay no STF, por exemplo), mais os reacionários e intolerantes de todos os tipos “saem do armário”. Os bolsonaros, malafaias e apolinários se multiplicam. Neonazistas dão as caras e convocam manifestação em São Paulo. Homofóbicos militam organizadamente nas redes sociais.
Na verdade, são dois movimentos diferentes que se complementam: os fundamentalistas religiosos e os neocons (neoconservadores) tupiniquins. Os primeiros são os cristãos homofóbicos – especialmente evangélicos - que centram toda a sua atuação em combater os direitos LGBT e os direitos das mulheres. Os segundos são colunistas da grande mídia, “intelectuais”, “humoristas” – gente como Pondé, Reinaldo Azevedo, Tas, Rafinha Bastos, Mainardi. Todos juntos, em uma verdadeira cruzada racista, homofóbica e machista. Reivindicam a liberdade religiosa e a liberdade de expressão como escudo para promoção de valores discriminatórios, reacionários e intolerantes.
A campanha obscurantista promovida por Serra em 2010 abriu essa verdadeira caixa de Pandora de escuridão e preconceito. Sem alarde, parece que vão se insinuando os contornos de um Tea Party no Brasil. A lei de Apolinário é apenas mais um episódio dessa escalada conservadora.
O movimento LGBT e os defensores dos direitos humanos estão pressionando Kassab para que vete o projeto do “orgulho hetero”. São Paulo é plural, diversa, contraditória - mas, com vocação cosmopolita e de vanguarda. O povo paulistano não merece ser envergonhado com uma lei dessas. Vamos continuar erguendo coisas belas: em nome da democracia, da pluralidade, da promoção da igualdade. Reajamos, antes que seja tarde.
Julian Rodrigues é do grupo CORSA-SP e coordenador nacional do setorial LGBT do PT.
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