sexta-feira, junho 10, 2011

"Dilma cedeu à chantagem da bancada religiosa" Deputado critica a presidente por ter suspendido distribuição do kit anti-homofobia para evitar convocação de Palocci

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foto: Ernane Pinho
Deputado Jean Wyllys (PSOL) - Editoria: Política - Foto: Ernane Pinho
"A Dilma não pode negociar uma política pública tão importante para a comunidade desta maneira. Não havia justificativa para ela suspender o projeto"


Primeiro deputado federal assumidamente homossexual, Jean Wyllys (PSOL-RJ) criticou a presidente Dilma Rousseff (PT) por ter cedido à "pressão chantagista" da bancada religiosa e ter recuado na proposta do governo de distribuir kit anti-homofobia nas escolas. "Lamentei que a presidenta Dilma tenha cedido a esse tipo de pressão chantagista feita pela bancada da direita religiosa. O episódio só serviu para o desgaste do governo porque há uma pressão popular pelas explicações do ministro Antonio Palocci", disse o ex-participante do programa Big Brother Brasil.

Em entrevista para A GAZETA, na última terça-feira, ele também disparou contra o senador Magno Malta (PR) e os deputados Jair Bolsonaro (PP) e Anthony Garotinho (PR), que são contrários às causas defendidas pela comunidade LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais). "Acho um discurso hipócrita que só serve para tirar dividendos eleitorais".

Na próxima sexta-feira, Jean Wyllys estará em Vitória para participar do Seminário de Direito Homoafetivo, promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil seccional capixaba (OAB-ES). Ele será um dos palestrantes do evento.

O que o senhor achou do recuo do governo na distribuição do kit anti-homofobia?
Lamentei que a presidenta Dilma tenha cedido a esse tipo pressão chantagista feita pela bancada da direita religiosa. O ministro Palocci é uma pessoa pública e tem que se explicar. Essa blindagem, essa vontade deliberada do governo federal de blindar Palocci só serviu para desgastar, porque a moeda de troca foi uma política pública de educação importantíssima, que já havia sido aprovada pelo Ministério da Educação e já havia sido apresentada numa audiência pública no ano passado no Senado. O episódio só serviu para o desgaste do governo porque há uma pressão popular pelas explicações de Palocci.

Em seu site, o senhor até pediu que a comunidade não vote mais em Dilma...
Não foi dessa maneira que eu pedi. O que eu disse no meu site, na integra, é que essas próprias forças da direita conservadora religiosa que desmoralizaram a presidenta na época das eleições, numa campanha subterrânea de difamação, essas forças apresentaram a conta hoje por ter apoiado ela. O acordo naquela época foi: ou a senhora cede em relação às questões da legalização do aborto e dos direitos de homossexuais ou nós não apoiamos a senhora nas eleições e não barramos a campanha subterrânea que vem sendo feita. Naquele momento ela cedeu. A campanha foi barrada e eles apresentaram a conta agora para ela. O que eu disse foi que, já que eles apresentaram a conta, os LGBTs que votaram nela e que entraram nas redes sociais em defesa sistemática dela contra a campanha difamatória deveriam apresentar a sua conta. E a conta que o LGBT pode apresentar neste momento é nas próximas eleições não votar, porque esse é o nosso instrumento de pressão numa democracia. Só isso. A Dilma não pode negociar uma política pública tão importante para a comunidade desta maneira. Não havia justificativa para ela suspender o projeto. As justificativas foram sendo inventadas. Depois ela dizer que é uma questão de costumes, que o governo tem o direito de tratar das questões de costumes. Não é questão de costumes, é questão de assassinatos, de uma proporção de 200 mortes por ano. Assassinatos de homossexuais não é uma questão de costumes.

Qual o caminho para acabar com a violência e o preconceito contra homossexuais no Brasil?
O caminho é o da educação e o da conquista dos direitos. São os dois caminhos possíveis. A conquista de direitos aqui no Congresso Nacional, ou seja, assegurar alguns direitos como no projeto de lei 122, que combate a discriminação por orientação sexual, altera a lei do racismo no sentido de incluir as discriminações por orientação sexual; assegurar o direito ao casamento civil, que é para poder combater a desigualdade no plano jurídico, é importante isso principalmente depois da decisão do STF. E o outro caminho são políticas de educação que façam das novas gerações mais solidárias, conscientes e respeitosas das diferenças culturais e das diferentes sexualidades humanas que existem.

Como o senhor avalia o discurso de Bolsonaro, Garotinho e Magno Malta, que têm uma postura contrária à causa LGBT?
Acho um discurso hipócrita que só serve para tirar dividendos eleitorais na medida em que joga com os preconceitos da população e com o senso comum, que deveria ser desconstruído. É um discurso lamentável porque é um discurso de ódio, que fere os princípios constitucionais. O discurso dos três é de incitação ao ódio. É um discurso eleitoreiro porque quer jogar com os preconceitos que a população conserva.

O Supremo reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, mas no Congresso há resistência em aprovar projeto de lei que criminaliza a homofobia. Como o senhor vê isso?
Ainda bem que nós temos estes dois Poderes: o Judiciário dando pareceres favoráveis à união estável, a adoção de crianças; e o Executivo com políticas públicas importantes para a comunidade LGBT. Porque se dependesse do Congresso Nacional, a comunidade LGBT não só não teria direitos como perderia alguns dos que gozam hoje, como é, por exemplo, o direito de liberdade de associação. Se deixar que o Congresso defina os rumos da comunidade, essa maioria aqui que é de deputados conservadores, reacionários e de um dogmatismo e de um fundamentalismo religioso absurdo, os homossexuais sequer teriam direito de livre associação. Se deixar que essa direita religiosa avance no Brasil, nós vamos penalizar a homossexualidade, vai tornar a homossexualidade crime pelo andar da carruagem. E os porta-vozes desse atraso, dessa ignorância, desse obscurantismo, desse espírito anti-republicano são o senador Magno Malta e os deputados Garotinho e Bolsonaro.

O senhor sofre preconceito por parte de colegas de plenário por assumir sua homossexualidade?
Não. Pelo menos na frente ninguém nunca me discriminou.

"O discurso de Bolsonaro, Garotinho e Magno é de incitação ao ódio. É um discurso eleitoreiro porque quer jogar com os preconceitos que a população conserva", Jean Wyllys

Quem é Jean Wyllys
Começo. Jean Wyllys tem uma história de envolvimento com trabalhos em favor da justiça social e das liberdades civis, que remonta à sua adolescência, quando pertencia às pastorais da Juventude Estudantil e da Juventude do Meio Popular, e atuava nas comunidades eclesiais de base da Igreja Católica.

LGBT. Parceiro dos movimentos LGBT, negro e de mulheres, ele participa de ações que combatem a homofobia, a intolerância e o fundamentalismo religiosos, o trabalho escravo, a exploração sexual de crianças e adolescentes, e as violências contra a mulher.

Formação. Comunicação Social, Jornalismo, pela Universidade Federal da Bahia; mestrado em Letras e Linguísticas, pela mesma instituição.

Livros. É escritor, com três livros publicados ("Aflitos", "Ainda lembro" e "Tudo ao mesmo tempo agora"); professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing e Universidade Veiga de Almeida, ambas no Rio. Foi vencedor do programa de reality-show Big Brother Brasil, em 2005.

A barganha com o kit anti-homofobia
Pressão. Pressionada pela bancada religiosa no Congresso, a presidente Dilma Rousseff mandou suspender, no último dia 25, a produção e a distribuição de vídeos e cartilhas contra a homofobia, organizado pelo Ministério da Educação.

Troca. Diante da decisão de Dilma, o deputado Garotinho afirmou que seriam suspensas as medidas anunciadas pelas bancadas religiosas em protesto contra o kit. Os parlamentares haviam decidido colaborar com a convocação do ministro Antonio Palocci para que ele explicasse sua evolução patrimonial.

Elogios. Crítico ferrenho do kit, o deputado Bolsonaro (foto) comentou a decisão. "Veio bastante tarde, mas vou ser obrigado a elogiar a Dilma". Ele afirmou que o material foi totalmente confeccionado por grupos LGBT. "Qual pai tem orgulho de ter um filho gay? É um demagogo, quem já tem que vai dizer que tem. Comigo, no começo, como já falei, moleque que vem com comportamento delicado dava-lhe uma porrada logo no começo pra mudar o caminho dele e acabou. É a minha maneira de ser. Se não gostar que se exploda", disse.

Não viu filmes. Um dia depois de suspender o kit, Dilma assume que nem viu os filmes. Ela explicou que o material entregue ao MEC não atende ao que foi exigido. "Não concordo com esse kit. Porque eu não acho que faça a defesa de práticas não homofóbicas". E acrescentou: "Não vai ser permitido a nenhum órgão do governo fazer propaganda de opões sexuais. Não podemos intervir na vida privada das pessoas".

"Terceiro sexo".  O senador Magno Malta diz que o Senado não pode criar o "terceiro sexo". "O Supremo prestou um desserviço à sociedade e está longe de ser o supra sumo da verdade. Deus criou o macho e a fêmea, não é o Congresso Nacional que vai criar o terceiro sexo".

Leia trecho do livro Ainda Lembro, de Jean Wyllys
Parece óbvio e também oportunista que um escritor, ao fim de um confinamento de oitenta dias numa casa, com um grupo de pessoas que diminuía a cada semana, escreva um livro sobre essa experiência. Mas o que pode um escritor fazer de suas experiências a não ser transformá-las em palavras e, depois, em livro? Sim, sou escritor, com livro publicado e tudo (em minha opinião, escritor é todo aquele que escreve, mesmo que seja para encher gavetas empoeiradas; se eu considerar a opinião daqueles para os quais escritor é apenas quem já publicou, continuo sendo um escritor). E, como todo escritor - embora alguns finjam que não -, quero ser lido, circular, estar nas prateleiras das livrarias; quero ser Paulo Coelho. Como bem diz Antônio Torres, em Um táxi para Viena d'Áustria, o escritor é um artista, e artista é igual a puta do cais do porto: tem de estar na janela para aparecer.
Pensei muito antes de aceitar o convite para escrever este livro, que mistura memórias do confinamento na casa e de minha vida em Alagoinhas e Salvador - uma certa reflexão sobre a existência e as voltas que o mundo dá. Primeiro, pensei na pressa com que o faria e no fato de que ela, a pressa, sempre conspira contra a perfeição (mas quem é e o que é a perfeição?): queria fazer um livro que não virasse papel para embrulhar peixe no dia seguinte; espero que tenha conseguido. Em seguida, pensei nas críticas ou na indiferença dos que definem o que é boa ou má literatura (para mim, eles deveriam se perguntar quando é literatura). Pensei, então, que alguém que venceu a fome e a pobreza, que sobreviveu às chacotas e à violência física contra gays, e que conquistou um lugar ao sol depois de um confinamento de oitenta dias, também há de sobreviver à maledicência, à arrogância, à hipocrisia e ao cinismo de intelectuais não premiados pela vida. Aceitei, portanto, escrever este livro. Como diz o povo, ladram os cães e a caravana segue.
Quando me perguntam por que quero escrever, costumo citar uma fala do cineasta Joaquim Pedro de Andrade, que também serviu para responder por que participei do Big Brother Brasil. No momento, ela serve também para responder por que aceitei escrever este livro: "Para chatear os imbecis; para não ser aplaudido depois de seqüência dó de peito; para viver à beira do abismo; para correr o risco de ser desmascarado pelo grande público; para que conhecidos e desconhecidos se deliciem; para que os justos e os bons ganhem dinheiro, sobretudo eu mesmo porque, de outro jeito, a vida não vale a pena; para ver e mostrar o nunca visto, o bem e o mal, o feio e o bonito".
A idéia de fazer este livro surgiu depois que o apresentador Luciano Huck, muito gentilmente, pediu-me que escrevesse um texto para ser lido em seu programa, sobre os meus anseios e as impressões após a saída da casa. O texto emocionou os presentes, em especial a apresentadora Ana Maria Braga e os atores Christiane Torloni e Edson Celulari. Edson chegou a elogiar a minha lucidez e, em seguida, citar o poeta Fernando Pessoa. O texto chamou a atenção dos editores, que consideraram a possibilidade de as pessoas que torceram por mim (e até das que não torceram) estarem interessadas em ler exatamente o que eu tenho a dizer sobre aquela experiência.
Portanto, aqui estou eu contando e refletindo da maneira mais honesta possível; e, ao mesmo tempo, tentando construir beleza e emoções com palavras; em síntese, aqui estou eu tentando fazer literatura, seja ela o que for ou quando for. Escrever é imperativo em minha vida, embora eu prefira viver, já que a vida é sempre mais bonita, mais feia ou mais intensa que qualquer representação literária. Ao contrário de Clarice Lispector, que afirmava só estar viva quando escrevia, adoro a vida propriamente dita, louca às vezes, e com o risco de ser breve, pois, quando escrevo, sempre morro um pouco, porque acabo cedendo parte de meu sopro vital na construção de outras vidas em palavras.

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