Reproduzo abaixo uma livre tradução feita por mim do artigo que Toni Reis, presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), publicou no jornal britânico Guardian nesta quarta-feira, dia 11 de maio. O original pode ser lido aqui. Ps.: mantive os links do texto original e apenas acrescentei imagens.
Qual o próximo passo para os direitos LGBT no Brasil?
As uniões entre pessoas do mesmo sexo foram reconhecidas no Brasil, mas muito ainda precisa ser feito para conquistar o respeito à diversidade sexual.
O dia 5 de maio de 2011 foi histórico para os direitos da população LGBT brasileira. O Supremo Tribunal Federal (STF), corte máxima do país, decidiu por unanimidade que as relações entre pessoas do mesmo sexo devem ser reconhecidas como idênticas em todos os aspectos legais às relações entre casais heterossexuais não casados civilmente. Antes desta sentença, alguns – mas não todos – notários registravam um documento atestando que o casal vivia junto. Tais documentos, entretanto, não possuíam valor jurídico, eram sujeitos à interpretação e podiam ser desconsiderados. Casais do mesmo sexo podiam também levar aos tribunais suas reivindicações, solicitando reconhecimento legal de suas uniões. Na maioria dos casos, tais ações eram julgadas por varas cíveis e não em varas familiares, e eram consideradas, então, como relações de fato (de cunho comercial) – o que protegia apenas bens, em vez de uma relação baseada no amor e na afeição, com seus subsequentes direitos e deveres.
Todos os notários públicos estão agora obrigados a registrar, quando requeridas, as uniões entre pessoas do mesmo sexo como uma “entidade familiar” legalmente reconhecida, assim como fazem em relação aos casais heterossexuais. Isso abre caminho para uma série de direitos anteriormente negados aos casais gays no Brasil, como adoção conjunta de crianças, herança, consideração de renda conjunta para pedidos de empréstimo ou hipotecas ou o direito do parceiro tomar decisões sobre tratamentos médicos quando o companheiro está incapacitado. A decisão também produz obrigações que antes não existiam para casais do mesmo sexo em casos de separação.
O assunto chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio do Governador do Estado do Rio de Janeiro, em 2008, após seu governo reconhecer as uniões homoafetivas de agentes públicos estaduais para efeitos administrativos. A Procuradoria-Geral da República também se juntou à questão em 2009, ao propor uma ação considerando que o não reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo era inconstitucional no país. Na última quinta-feira, ambas as ações foram acolhidas favoravelmente no STF.
O Poder Executivo do governo federal também têm feito considerável progresso na implementação de políticas afirmativas para a população LGBT, começando pelo programa Brasil Sem Homofobia em 2004. No ano de 2008, o Presidente convocou a primeira conferência nacional LGBT, que foi precedida de conferências nos 27 estados do país. As deliberações da conferência foram sistematizadas num Plano Nacional, lançado em 2009, para promover a cidadania e os direitos humanos da população LGBT. Também em 2009, o governo federal criou um setor LGBT dentro da Secretária Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Mais recentemente, em março deste ano, o Conselho Nacional LGBT foi criado, composto por 15 membros da sociedade civil e 15 membros do governo. A função do Conselho é orientar e auxiliar na formulação de políticas públicas para a população LGBT e também a de atuar como um órgão fiscalizador da implementação destas políticas.
Contudo, ao contrário de seus pares (os outros dois poderes), o Poder Legislativo Federal deixa muito a desejar. Desde que o país adotou uma nova Constituição em 1988, o Congresso Nacional não aprovou nenhuma legislação acerca das demandas da população LGBT. Um projeto de lei propondo o reconhecimento das parcerias ente pessoas do mesmo espera para ser votado desde 1995.
Não obstante, o progresso que vem sendo feito coincide com o crescimento e o fortalecimento do movimento LGBT brasileiro. No começo dos anos 90, havia menos de 20 organizações LGBT em todo o país. Hoje são mais de 300. Antes de 1995, não havia Paradas do Orgulho LGBT. Hoje há mais de 270. Nos últimos anos, a Parada LGBT de São Paulo atraiu mais de três milhões de participantes. Mais visibilidade, organização e influência política têm sido fundamentais para os avanços conquistados.
Entretanto, muito ainda precisa ser feito para melhorar o respeito à diversidade sexual. Uma pesquisa nacional da Unesco, feita em 2004 em escolas de ensino médio do país, registrou que 40% dos estudantes do sexo masculino não gostariam de estudar na mesma sala que um colega LGBT, e que 35% dos pais compartilhavam da mesma restrição. Pesquisas mais recentes têm confirmado estes dados. Não há estatísticas oficiais em âmbito nacional sobre violência homofóbica, mas o monitoramento de páginas policiais feito por uma Organização Não-Governamental aponta que, em média, uma pessoa LGBT é morta a cada dois dias no Brasil por causa de sua sexualidade. Ainda que esses números devam ser considerados proporcionalmente ao alto número de homicídios em geral no país, o cenário é, sem dúvida, alarmante e inaceitável.
Outras prioridades da agenda do movimento LGBT brasileiro, ainda por serem conquistadas, incluem uma lei que coíba e puna a discriminação homofóbica e outra que permita à população de travestis e transexuais a troca de seus nomes civis para um que seja condizente com suas identidades de gênero. Nosso desejo é que o exemplo dado pelo Supremo Tribunal Federal, na semana passada, sirva de estímulo para o Congresso Nacional agir.
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