quarta-feira, maio 25, 2011

A cura por meio do beijo gay

É natural que após oito anos de FHC, oito anos de Lula e agora mais uns meses de Dilma, já estejam na praça, por intervenção do MEC e outros ministérios, uma série de iniciativas civilizatórias contra a discriminação de negros, índios, pobres e homossexuais. Afinal, de um governo de centro para um de centro esquerda, não esperávamos mesmo que tudo ficasse como no passado, sob os escombros de nossa marcha interrompida, ou seja, os restos da Ditadura Militar.
Todavia, antes de continuar, uma breve explicação terminológica.
Sim, prefiro esses termos, como os coloquei no primeiro parágrafo, ao menos aqui. Porque são estes os termos mais comuns no âmbito do linguajar discriminatório. Ou seja, nem sempre o “afrodescendente” é o que indica o discriminado. Os identificados pelos discriminadores como “negros”, estes são discriminados. Os “sem recursos” ou “carentes”, os “nativos” e os “homoafetivos” nem sempre são tão discriminados quanto os que são chamados de “pobres”, “índios” e “homossexuais”. O discriminado é descriminado pelo que faz e é, e nas peças discriminatórias (não chulas) é designado pelos nomes mais populares como os coloquei acima. É bom que saibamos disso, quando se trata de apreender o quadro da discriminação. Não sou contra usar os termos menos carregados, mas sou contra a eliminação de termos que ainda estão na jogada. Cada caso é um caso, cada discurso é um discurso. É preciso escolher as palavras para cada situação.
Dito isso, volto ao assunto: os governos mais identificados com a democracia, ou seja, o de FHC, Lula e Dilma, por incorporarem pessoas de certos movimentos sociais, não poderiam deixar de refletir os anseios das minorias citadas (e poderíamos incluir, nesse caso, a mulher). A democracia,  a sua versão moderna, é o regime sócio-político no qual a vontade da maioria tem um peso decisivo na condução dos negócios de estado e, ao mesmo tempo, o regime no qual as minorias têm seus direitos básicos respeitados, a saber, o direito de existência, expressão, representação, participação nos bens da nação e proteção da lei contra formas de discriminação e ódio. A vontade da maioria vem pelo voto direto e pelo voto de representantes. Mas não basta. Só isso, não nos faz uma democracia. Uma democracia só é uma democracia se cuida bem de suas minorias, nesses quesitos apontados.
Por isso, louvo esse tempo em que conseguimos dar alguns passos no sentido da política de não discriminação, com atos como as cotas para negros nas escolas e outras atitudes desse tipo. É louvável, agora, também, que possamos introduzir em diversos locais da sociedade um material que possa ensinar as pessoas a não se tornarem homofóbicas. Ou mais, que possamos colocar na praça um material para que as crianças aprendam a se posicionarem no futuro próximo claramente contra a homofobia. O MEC financiou um material para esse fim. Espero que ele tenha sido criado com bom gosto e inteligência. Mas, independentemente de conhecer o material em detalhes (só conheço aquilo que a imprensa até agora conhece), não há dúvida que a reclamação das do tipo do deputado coronel Bolsonaro ou do pastor Silas Malafaia, ou seja, a da Santa Aliança que reúne evangélicos ensandecidos com o resto da Ditadura Militar, não tem razão de ser.
O que Bolsonaro diz é que o MEC estará financiando um “kit gay” que irá ensinar as crianças a se tornarem homossexuais. O que Silas Malafaia diz é que os homossexuais estão em pecado, estão com o demônio. São duas bobagens.
Para os                 eu seguem o quartel de Malafaia, o que se tem de informar é que ninguém é uma pessoa pior ou melhor por conta de dizer que gosta de namorar pessoas do mesmo sexo. Os que falam para os pobres darem “30% do salário para Jesus” e que, assim, irão resolver seus problemas, estes sim são seres ruins. O nome “pecador”, caso ainda tenha algum significado, deve ser aplicado a esses enganadores da boa fé popular.
Para os que seguem a igreja de Bolsonaro, o que se pode dizer é que, se elas odeiam aqueles que amam pessoas do mesmo sexo, elas não devem ficar preocupadas com seus filhos. Pois o homossexualismo não é algo que possa ser aprendido, muito menos por material escolar – seja ele qual for. Os que acabam por preferir namorar pessoas do mesmo sexo assim agem por conta de uma série de elementos. Uma das melhores descrições para conversarmos sobre como fazemos nossas variadíssimas opções sobre de quem gostar e de quem não gostar, ainda é a de Freud.
Freud vê as opções amorosas de uma pessoa com o que têm a ver (eu disse tem a ver, não estou trabalhando com causas determinantes!) com os modelos de adulto que ela escolheu na infância. E a escolha desses modelos, é claro, está ligada ao que a criança pode ou não pode esperar dos adultos. Assim, uma criança faz suas escolhas, em geral, a partir do que olha no pai e na mãe, tomando-os como segundo juízos de valor afeitos aos relacionamentos com eles. No pão pão queijo queijo, funciona assim, como segue.  O menino tem uma mãe de quem gosta muito, que é um exemplo de ser humano, por inteligência e outros dotes; mas, por outro lado, tem um pai autoritário, que faz a mãe silenciar com gritos ou até violência física, um pai que se impõe, mesmo quando não é chamado, como um militar fanático e um falastrão meio burro. Ora, essa criança tem tudo para copiar como modelo de pessoa a mãe. O modelo é copiado, mas não só isso, o modelo do pai como pessoa é rechaçado. Ora, o modelo do pai pode ser tomado, confusamente, como o modelo de homem, inclusive do ponto de vista geral e, enfim, sexual. De modo que a criança se forma rejeitando ser aquele tipo de homem. O que no caso significa: vou ser como minha mãe, mulher, não como homem, meu pai, que é “um escroto”.
Desse modo, é interessante notar que machões estabanados, fanáticos e agressivos tem muito mais propensão de estarem criando (ou já criaram) meninos que irão ser homossexuais do que qualquer outra pessoa. Não é difícil, portanto, ver uma série de pessoas que vociferam contra gays e fazem a apologia da conduta machista, terem filhos que, chegando à pré-adolescência, dão clara manifestação de que são gays. Alguns desses moços jamais falarão para os pais o que são. E então, por andarem em uma situação desconfortável, até perigosa, terão vida dupla. Sentirão medo. Meter-se-ão em casamentos tradicionais inviáveis. Serão certamente infelizes. Odiarão os pais. Culparão os pais e, ao mesmo tempo, se culparão, pois, não raro, vão sonhar e desejar a morte deles. Para alguns, aliás, a morte de alguém na família é mesmo a única salvação, e determinam isso por meio do suicídio.
Tudo isso é muito trágico. Triste. Alguns, quando olham para casos assim, dizem: “viu, foi castigo divino: o cara era tão machão e o filho virou gay”. Mas não foi nada disso que ocorreu. O que ocorreu é que o machão deixou para o filho um modelo inassimilável de gente, de homem, de tudo. Restou o modelo oposto, o da mãe.
Independentemente de Freud ter descrito o nascimento de um homossexual na sociedade de um modo que damos crédito ou não, a verdade é que nos pegamos vendo casos empíricos que tornam o relato freudiano algo a ser ouvido. O triste é saber que esses pais, do tipo descrito, muito comum em púlpitos do Congresso ou de igrejas, não mudarão. Eles continuarão por aí, espraiando o ódio. Vamos ter que pará-los.
Vamos ter que usar uma ação contrária a deles, a de convencimento da sociedade, de modo a anular o espraiamento do ódio. Será nossa ação pelo amor. O melhor que os gays têm a fazer é, em qualquer lugar, manter a conduta da afetividade gay. O beijo gay em público, em qualquer lugar (e que não fiquem restritos aos lugares onde se permite o beijo heterossexual), farão melhor para a causa do amor do que qualquer texto que um filósofo como eu –e talvez como outros – pode escrever.  O movimento contra a homofobia, sério, consciente, sem vinganças menores, só pode parar quando não houver mais nenhum gay sendo atacado nas ruas de nossas cidades.
© 2011 Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo, escritor e professor da UFRRJ

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