sexta-feira, fevereiro 04, 2011

DIREITOS INDEFINIDOS

fonte: SEX BOYS 80.
 Foi uma derrota. No fim de 2010, a 3ª. turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) jogou um balde de água fria no reconhecimento da união gay como união estável. Retrocesso definitivo?
Foram dois casos parecidos e no mesmo Rio Grande do Sul. Em ambos, casais gays viveram juntos por muito tempo. Em ambos, o parceiro sobrevivente requereu direitos sobre os bens do casal. Em ambos, esses mesmos parceiros pediram, mediante seus advogados, o reconhecimento e a dissolução de sociedades de fato, mas obtiveram, na primeira e/ou na segunda instância (Tribunal de Justiça do RS), algo melhor: o reconhecimento de que viviam em união estável.
O problema surgiu quando o Ministério Público, inconformado, resolveu apelar para o STJ, dizendo que a união entre gays não pode ser união estável – e a 3ª. turma concordou!
Um passo pra frente...
Foi uma surpresa, já que vinha sendo demonstrada outra forma de pensar. Ainda que timidamente, o Judiciário caminhava para cumprir o que a Constituição diz quando fala em igualdade de todos perante a lei.
Houve inovações nos tribunais de Justiça, quando neles se reconheceu, nas varas de família, a competência sobre a matéria das uniões homoafetivas. Idem quando, na omissão da lei e usando de analogia, consideraram essas uniões como entidades familiares. Casais gays tiveram o direito de ter seus parceiros como dependentes no INSS, e recentemente o próprio STJ garantiu direitos de adoção por casais homoafetivos.
... Outro pra trás
No entanto, o STJ voltou atrás e "reconheceu" os dois casais como sociedades de fato. Retrocesso, já que, além de ser um instituto de caráter predominantemente material, a sociedade de fato exige que se comprove o esforço para a obtenção dos bens – coisa que, na união estável, é presumida.
O entendimento da 3ª. turma causou um grande sentimento de exclusão e esboçou o preconceito e a covardia que persistem em setores do Judiciário. Isso sem falar na contradição: como uma sociedade meramente patrimonial pode adotar crianças, como se julgou antes?
Significados da decisão
A "boa notícia" é que essa decisão do STJ não é definitiva. Em nosso sistema jurídico, as decisões judiciais sobre uma questão, por mais reiteradas que sejam, não são vinculativas, com exceção das proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em caráter de súmula vinculante. Entre nós, as decisões apenas vinculam para o caso concreto, fazendo "lei entre as partes" (artigo 472 do Código de Processo Civil).
É claro: não se pode menosprezar o argumento de autoridade que tais decisões assumem, já que, se uma determinada tese estiver de acordo com o entendimento dominante, sua chance de êxito é maior. Há também uma tendência de os juízes inferiores seguirem a compreensão dos órgãos superiores e de os tribunais manterem o entendimento que for majoritário em seu interior.
Seja como for, porém, as divergências são comuns no Judiciário. Para tentar pacificá-las, criou-se o Incidente de Uniformização de Jurisprudência. Esse mecanismo procura estabelecer, em um julgamento específico, a compreensão do tribunal como um todo sobre um tema polêmico.
A decisão servirá para aquele processo em discussão, mas poderá ser seguida nos julgamentos posteriores. Da deliberação tomada, poderá ser editada uma súmula, divulgando-se o resultado tomado pela corte.
Não foi o que aconteceu na decisão da 3ª turma do STJ. Não se trata, portanto, de uma decisão definitiva, nem de uma decisão que reflete a opinião das outras turmas. O que pode acontecer agora é que, em ações futuras, o Ministério Público, os julgadores ou as partes poderão suscitar o Incidente de Uniformização de Jurisprudência para uma resposta uniforme do STJ. É onde há risco.
Legislativo, cadê você?
O que se pode concluir é que deixar as deliberações dos tribunais do Brasil sobre a união gay alicerçadas apenas nos princípios gerais do Direito e seus fundamentos, e não em lei específica, é viver com as divergências e as mudanças de opinião dos magistrados.
Enquanto não houver lei, nenhuma decisão será definitiva sobre a matéria, seja ela pró ou contra os LGBTs. Por isso, é necessário que cada cidadão homossexual pressione seu deputado e seu senador a votar leis que garantam sua dignidade. É preciso que, cada vez mais, a comunidade LGBT entenda que ela é responsável por sua história e que o Direito é luta, como diria Rudolph Von Ihering.

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