sábado, setembro 25, 2010

Texto Paulo Sérgio Duarte

GLOBO ONLINE: OPINIÃO
Cultura e ação pública
Publicada em 21/09/2010 às 18h09m

PAULO SERGIO DUARTE
Desde 1985, com a criação do Ministério da Cultura, há um problema na formulação das políticas públicas de cultura: fomos levados a um divórcio entre educação e cultura. O novo ministério serviu bem como balcão de atendimento às reivindicações das diversas corporações culturais, atende artistas e produtores e nos últimos oito anos ampliou essa assistência a um público que nunca teve acesso ao Estado. As leis de incentivo à cultura por meio da renúncia fiscal podem ser aperfeiçoadas, mas funcionaram. Entretanto, a questão crucial não foi enfrentada desde 1985: a participação da cultura na formulação das políticas públicas educacionais. E vou mais longe: a participação da cultura em projetos sociais, como os de urbanismo e habitação e os de alimentação. O fato é que a política cultural não pensa a nação fora do gueto das diversas corporações, algumas com lobistas profissionais.
O caso da distância da cultura dos projetos educacionais é o maior problema. O forte investimento que o Brasil fizer em educação nas próximas décadas terá resultados lamentáveis se mantidos os paradigmas atuais. Só se pensa na capacitação técnico-científica e o problema não se resolve ao embutir nos currículos disciplinas artísticas como arte, música e dança. Isso é necessário, mas não suficiente. Trata-se de formar os professores das mais diversas disciplinas - matemática, ciências, línguas, história, geografia, educação física - com ênfase nos aspectos culturais que podem ser explorados em seus projetos didáticos. Os laboratórios de currículos das secretarias de educação têm que ser capacitados para isso. Quando existem, não estão preparados e isso deverá ser objeto de um investimento rigoroso. É todo um processo que se constitui num grande desafio para a política cultural das próximas décadas. O cidadão do mundo contemporâneo resolverá melhor suas dificuldades se junto com a especialização tiver uma percepção adequada da complexidade local e global, ou como se costumava dizer, em termos mais antigos, das particularidades e da totalidade. A formação de professores bem remunerados deverá ser a atenção primordial, mas sem a dimensão cultural e a habilidade de tratá-la em diferentes disciplinas pouco adiantará para melhorar o que vem por aí.
O caso da ausência da dimensão cultural na formulação dos projetos sociais aponta para as tragédias que estamos construindo. Tomemos o exemplo mais banal do urbanismo, da habitação e do saneamento. Encontrado um terreno plano, traça-se um projeto ortogonal, de vielas ou ruas verticais e horizontais, que se entrecruzam, e lá são construídas habitações de arquitetura pífia. Para quem mora embaixo da ponte é um ganho enorme, mas levar o miserável a habitar um verdadeiro campo de concentração forma cidadania? Porque não pensar todos, literalmente todos os projetos de habitação popular, como locais aprazíveis, com desenho de ruas agradáveis, um projeto de paisagismo com arborização adequada, locais de lazer e equipamentos de saúde, de educação e cultura necessários para uma vida pobre mas digna dentro das novas exigências de sustentabilidade e respeito ao meio ambiente? O que se constrói hoje é uma indústria da depressão e da marginalização da população pobre, locais vulneráveis à violência e a toda forma de achaques, de traficantes, de milícias, de funcionários corruptos e de políticos demagogos. A redução de custos desses projetos, a médio prazo, custa muito mais caro a toda a sociedade.
E não esqueçamos que é tempo de a dimensão cultural entrar na política de alimentação. Pode parecer absurdo, mas depois do Fome Zero é importante pensar na qualidade da alimentação num processo de educação alimentar das populações mais pobres, e, de novo, a política cultural terá que encontrar um nicho para se meter nesse assunto: o que comem os brasileiros pobres.
Esses são desafios para uma política cultural mais abrangente do que a que vem sendo executada há mais de duas décadas. Sem uma sinergia positiva entre os diversos ministérios e o Ministério da Cultura não sairemos dos limites atuais. E essa sinergia só se produzirá a partir da vontade expressa do futuro presidente da República, como plano permanente de governo.

PAULO SERGIO DUARTE é professor e pesquisador do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Candido Mendes.

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