sábado, 7 de agosto de 2010
Sobre Candidatos e Casamento Gay no Brasil
Não há razão alguma para que o Casamento Gay não seja aprovado no Brasil
Lendo sobre a recente aprovação do casamento igualitário na vizinha República Argentina não pude deixar de concluir que não há razão para que o casamento gay não seja aprovado no Brasil. A única razão seria o conservadorismo de nossos parlamentares, deputados e senadores - sua falta de compreensão do que é a isonomia republicana, do princípio de laicidade que rege nosso Constituição Federal, e mesmo o desconhecimento das leis de nosso país.
Ora, o Artigo 5º da Constituição afirma:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (...)”
Não é preciso ser formado em direito para perceber que o fato em que atualmente em nosso país os cidadãos heterossexuais possuírem o direito ao casamento, direito excluído aos casais homoafetivos fere de forma evidente o artigo quinto da Constituição. Pois ela iguala todos os cidadãos e veda qualquer forma de discriminação.
O grave, entretanto, nesta situação de facto, é que a discriminação está sendo infringia, provavelmente aos dez por cento da população brasileira com prática homoafetiva, pelo Estado brasileiro! Entre os objetivos declarados na Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 1o estão: “II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; (...)”. Percebemos claramente que estes dois valores são negados a gays, lésbicas, bissexuais e transexuais - ao terem negados os direitos civis relacionados ao direito de casamento e constituir família.
Alguns detratores da igualdade jurídica afirmam que igualar heterossexuais de homoafetivos fere os princípios das religiões cristãs, desrespeitando-
A Constituição Federal é laica, separa o Estado da religião: O art. 19, I da Constituição de 1988 proíbe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público", e também III “criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”.
É justamente isso, aquilo que a Constituição brasileira proíbe em seu artigo 19 que o Estado brasileiro vem fazendo ao permitir a confusão entre a República, e seus princípios e diversos valores religiosos. Além disso, ao não permitir o cidadão homoafetivo a posse do direito ao casamento e a constituir civilmente família[1] cria, com justificativas religiosas, uma evidente desigualdade entre cidadãos. Não se trata, como pensam alguns somente de uma questão setorial, mas sim dos princípios que queremos para a República, trata-se de justiça e também do reconhecimento de isonomia e da igualdade de direitos civis.
“A César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Não se trata aqui de uma intromissão do Estado em assuntos religiosos. A Lei deixa muito claro: existe uma a diferença entre o sacramento do Matrimonio religioso e o casamento civil, garantido pelos poderes do Estado brasileiro. Os religiosos, e suas lideranças não deveriam intrometer-se em um domínio que não diz respeito aos religiosos. Fazendo isso, eles intrometem-se na vida de pessoas que não possuem as mesmas crenças e concepções filosóficas que eles – e violam o princípio constitucional da não discriminação.
O laicismo princípio que rege teoricamente as leis brasileiras é uma doutrina filosófica que defende e promove a separação do Estado das igrejas e comunidades religiosas, assim como a neutralidade do Estado em matéria religiosa. A palavra "laico" é um adjetivo que significa uma atitude crítica e separadora da interferência da religião organizada na vida pública das sociedades contemporâneas.
Outra evidente injustiça vigente no Brasil é o fato que, escandalosamente, ainda não é passível de punição criminal atos de discriminação homofóbica. O projeto de lei 122/2006, que criminaliza atos de discriminação por orientação sexual nem ao menos foi analisado e votado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Isso, em um país em que a cada três dias um cidadão e brutalmente assassinado por motivo de ódio por orientação sexual[2]. Ou seja, em nosso país ainda é “legal” discriminar, excluir, apartar por motivos relacionados a tipos de afetividade. Somente algumas unidades da federação, como São Paulo (lei 10.948), Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Alagoas punem administrativamente a discriminação por homofobia.
Mesmo que muitas conquistas tenham sido atingidas, sobretudo fruto da luta do movimento homossexual organizado, as principais delas na área dos direitos humanos e civis da comunidade LGBT aconteceram por meio de ações judiciais movidas por cidadãos e cidadãs, indignados com sua condição de cidadãos de segunda classe; ou simplesmente envolvidos em crises particulares resultantes da ausência de direitos civis e humanos reconhecidos.
Os movimentos políticos, principalmente os partidos políticos, sobretudo seus representantes na Câmara federal e Senado, ainda pouco fizeram na melhoria da situação de gays, lésbicas, transexuais e bissexuais no Brasil. Algumas conquistas vieram da luta do movimento LGBT por visibilidade e de medidas administrativas em empresas públicas e privadas.
As poucas conquistas na área do poder público originaram-se do poder executivo, particularmente da presidência da República, como por exemplo, O Primeiro Plano Nacional de Combate a Homofobia, que ainda é um conjunto de boas intenções não implementadas, e a instituição do Dia Nacional de Luta contra a Homofobia (17 de maio), decretado por Lula (PT).
No atual processo de eleição o assunto do casamento gay e dos direitos civis de gays, lésbicas, bissexuais e transexuais parece ter voltado à pauta política, na onda de reconhecimento de direitos civis desta população no mundo (recentemente a Islândia aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e mesmo a ultracatólica Irlanda reconheceu os diretos de dos casais homoafetivos em constituírem união civil legal) mas, sobretudo, pela aprovação na vizinha Argentina do Casamento Igualitário.
Mesmo que o assunto de tamanha importância esteja de novo em pauta, entre os políticos e na imprensa, poucos candidatos parecem ter conhecimento suficiente sobre a questão. Os presidenciáveis declaram-se com respeito ao casamento igualitário ou união civil entre pessoas do mesmo sexo, salvo engano, da seguinte forma:
- Dilma Rousseff (PT): Favorável - Declarou várias vezes ser favorável à união civil[3] entre pessoas do mesmo sexo. Entretanto recentemente, segundo a imprensa, fez acordos com lideranças evangélicas garantindo que deixará a cargo do legislativo o tratamento da questão. Também parece confundir-se, talvez propositalmente por tática, entre os conceitos de casamento civil e casamento religioso. Mas isso faz parecer que não está claro para a candidata o caráter laico do estado brasileiro. Por essa confusão declarou-se contrária ao casamento gay e favorável a união civil. Também defende a adoção de crianças por casais homoafetivos. Mesmo após reunião com evangélicos continua defendendo a União Civil, e considerando o aborto uma questão de saúde publica. Mesmo assim a candidata tem como vantagem de ter como partido o Partido dos Trabalhadores que possui um histórico de mais de 30 anos de atuação política na área LGBT. A fundação deste partido (FPA) foi responsável pela mais completa pesquisa de opinião sobre homofobia e diversas publicações na área LGBT. Assim como Lula, tradicionalmente Dilma sempre foi simpática à causa LGBT.
- Marina Silva (PV): Contrária[4] - Mesmo que seu partido tenha como um de seus princípios programáticos a liberdade de orientação sexual, a candidata parece, por motivos religiosos, desconfortável com a questão. Integrante de uma das igrejas neopentecostais mais conservadoras do país, Marina chegou no começo da campanha a esconder uma bandeira gay presenteada por um vereador de seu partido. Ainda dizia que era favorável ao reconhecimento jurídico dos casais homoafetivos, mas sem deixar claro como isso aconteceria. Posteriormente parece ter assumido sua posição filosófica e declarou-se contra a união civil e o casamento gay. Em seus muitos anos como senadora, ainda no PT, sempre alegou “objeção de consciência” para abster-se do debate e da votação de qualquer medida que tivesse relação com a comunidade LGBT e aborto. O problema aqui não parece ser o fato da candidata ser evangélica, mas de ser ao contrário uma evangélica candidata. Ela coloca, aparentemente, suas crenças pessoais acima da laicidade do Estado e do bem-estar dos cidadãos LGBTs. Há algumas semanas, como forma de não dar opinião, vem falando de plebiscito (é, isso mesmo, plebiscito!) para decidir a questão. Parece não saber que não se negocia com direitos humanos e sociais.
- Jose Serra (PSDB): Contrário[5] - Católico praticante, no começo da pré-campanha, o candidato prometeu em um evento evangélico em Santa Catarina que não aprovaria o casamento gay no Brasil. Logo em seguida afirmou ser favorável a união civil entre pessoas do mesmo sexo, para em algumas semanas mudar de ideia e declarar-se contrario, afirmando que esta não seria uma questão relevante a ser regulada pelo de Estado. Serra afirmou: “É um assunto que Estado não entra, é problema das pessoas. Cada crença tem a sua orientação. Se uma igreja não quer casar, mesmo reconhecendo união civil, a igreja não pode ser obrigada a isso. Se duas pessoas querem viver juntas, ter herança, é problema delas, não é do Estado”. Ele tem se queixado sobre as perguntas da imprensa, cada vez mais frequentes, sobre o tema. Parece que o candidato desconhece ou não é sensível ao cenário de injustiças civis cometidas contra os casais homoafetivos (37 direitos negados no Brasil), assim como desconhece os números de casos de homofobia no país e o altíssimo número de assassinatos por ódio homofóbico. Como fica evidente em sua declaração ele confunde o que é casamento civil e casamento religioso, além de desconhecer o caráter laico do primeiro. Também não parece estar claro para o candidato o caráter laico do Estado brasileiro. Estranhamente, quando prefeito da cidade de São Paulo e governador, Serra não vetou projetos de lei aprovados pelos legislativos, assinando o decreto de algumas leis favoráveis à comunidade LGBT. Seu recente posicionamento contrário ao casamento gay parece estar associado a sua queda nas pesquisas e a sua conseqüente guinada para a direita, na tentativa de atrair a parcela do eleitorado brasileiro mais conservador. Aos poucos seu partido, PSDB, parece assumir o espectro ideológico que anteriormente pertencia ao PFL, atual DEM. Ao afirmar que a questão LGBT "não é problema de Estado" o candidato parece desconhecer que o Estado tem como principal função garantir o bem-estar de todos os cidadãos! Dá frequentemente declarações contraditórias, dependendo do público ouvinte. Entretanto pelas entrelinhas percebe-se claramente sua postura contrária a igualdade civil entre homossexuais e heterossexuais.
- Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) – Favorável - Mesmo sendo um fervoroso católico, parece ser o único candidato realmente consciente da importância do tema relacionado aos direitos LGBT, e do caráter laico do Estado Brasileiro. Em mais de uma ocasião defendeu a União Civil, recentemente começou a defender, talvez influenciado pelos argentinos, a instituição do Casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. Defende, entretanto, de forma clara, a adoção de crianças por casais homossexuais.
- Zé Maria (PSTU) – Favorável - É único candidato que defende a instituição do Casamento Igualitário, assim como aquele instituído na vizinha Argentina. Entretanto o candidato não parece estar familiarizado ao debate das questões dos direitos LGBT confundindo orientação sexual por opção (sic) sexual. Parece que ele segue nesta área a orientação de seu partido.
- Ivan Pinheiro (PCB) – Favorável - Declarou-se favorável a instituição da União Civil. Recentemente em sabatina do R7 declarou-se favorável a equiparação civil entre homossexuis e heterrossexuis, e ao Casamento Igualitário ("direito do casamento civil para todos.")
- José Maria Eymael (PSDC) – Contrário. Não se pronunciou sobre a questão, mas pelas diretrizes de seu partido de fundamentos cristãos deve optar pela oposição ao casamento gay.
- Levy Fidélix (PRTB) - Contrário. Recentemente em sabatina do R7, o candidato declarou-se contrário ao casamento gay, à união civil. Mostrou-se bastante homofóbico, e pouco informado. Associou a homossexualidade a doença, devio e pecado.
- Rui CostaPimenta (PCO) - Favorável - Na sabatina do R7 o candidato pronunciou-se favorável ao Casamento Gay, dos direitos LGBT, assim como destacou o direito das mulheres em fazer aborto.
Mesmo que constatemos a importância da ação do poder executivo na implementação, reforma de leis e mudanças políticas no Brasil, é preciso salientar que é o poder legislativo o responsável pela elaboração de leis e reformas constitucionais. Por isso é de enorme importância que os cidadãos preocupados com a questão votem em candidatos a Câmara Federal que entendam o caráter laico do Estado brasileiro, assim como candidatos preocupados com os direitos humanos e civis da comunidade LGBT. Sem um parlamento formado por homens e mulheres que reconheçam o princípio de laicidade e considerem direitos humanos e civis como fundamentais, mudanças reais são muito lentas e poderão ficar, inevitavelmente, a cargo do poder judiciário.
Dentre os candidatos por mim contatados pelo Twitter somente José Genoíno @JoseGenoino (PT-SP), Alex Lombello Amaral @LombelloAmaral (PCB-MG), DR. Rosinha @DrRosinha (PT-PR), Jandira Fegalli @jandira_feghali (PCdoB-RJ), Renato Simões @ptrenatosimoes (PT-SP) - autor da lei Estadual que proíbe discriminação por orientação sexual em São Paulo - e Maria do Rosário @_mariadorosario (PT-RS) responderam a pergunta: “Vocês são favoráveis ao #CasamentoGay no Brasil?”. A deputada Maria do Rosário respondeu “acho ótimo! Vou começar a estudar a lei argentina. Espero q o Congresso Nacional Brasileiro venha das eleições + aberto e justo”. Já o deputado Renato Simões escreveu: “Minha posição é q o Estado deve assegurar a casais do mesmo sexo os mesmos direitos civis previstos p/ casais heterossexuais”. O deputado José Genoino respondeu com um texto: “União civil estável: reconhecimento de direitos e conquista da cidadania plena!” onde defendeu o seu PL 4914/2009 que trata da união civil estável para pessoas do mesmo sexo, com direitos e deveres.
Depende de nós, eleitores brasileiros, cobrar dos demais candidatos uma postura clara relativa à questão tão importante. Devemos cobrar dos candidatos, principalmente a Presidência, o que de fato farão para garantir que os direitos humanos de homens e mulheres LGBTs continuem a ter seus direitos humanos violados no Brasil. Devemos também cobrar, perguntar, o que farão para garantir que a isonomia republicana e laicidade sejam garantidas para todos os cidadãos LGBTs. Se heterossexuais podem casar-se civilmente, não há razões, além de crenças religiosas, para que os homossexuais também não o possam fazer, já que o Estado não tem religião e deve ser neutro nesta matéria!
Também depende de nós, cidadãos politicamente ativos, exercer pressão para que uma vez eleitos Deputados e Senadores aprovem medidas que garantam a isonomia republicana e a justiça civil.
[1] No Brasil 37 direitos são atualmente negados a casais formados por pessoas do mesmo sexo, (direitos estes acessíveis aos casais heteroafetivos)
* Não podem aceder ao casamento civil.
* Não têm reconhecida a união estável.
* Não adotam sobrenome do parceiro.
* Não podem somar renda para aprovar financiamentos.
* Não somam renda para alugar imóvel.
* Não inscrevem parceiro como dependente de servidor público (admissível em diversos níveis da Administração).
* Não podem incluir parceiros como dependentes no plano de saúde.
* Não participam de programas do Estado vinculados à família.
* Não inscrevem parceiros como dependentes da previdência (atualmente aceito pelo INSS).
* Não podem acompanhar o parceiro servidor público transferido (admissível em diversos níveis da Administração).
* Não têm a impenhorabilidade do imóvel em que o casal reside.
* Não têm garantia de pensão alimentícia em caso de separação (posição controversa no Judiciário, havendo diversos casos de concessão).
* Não têm garantia à metade dos bens em caso de separação (quanto aos bens adquiridos onerosamente, têm direitos pois constituíam sociedade de fato. Contudo, não há que se falar em meação de bens).
* Não podem assumir a guarda do filho do cônjuge.
* Não adotam filhos em conjunto.
* Não podem adotar o filho do parceiro.
* Não têm licença-maternidade para nascimento de filho da parceira.
* Não têm licença maternidade/ paternidade se o parceiro adota filho.
* Não recebem abono-família.
* Não têm licença-luto, para faltar ao trabalho na morte do parceiro.
* Não recebem auxílio-funeral.
* Não podem ser inventariantes do parceiro falecido.
* Não têm direito à herança (precisam de previsão testamentária, mas quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a convivência, há sociedade de fato, recebendo o sobrevivente a sua parte).
* Não têm garantida a permanência no lar quando o parceiro morre.
* Não têm usufruto dos bens do parceiro (precisam de previsão testamentária).
* Não podem alegar dano moral se o parceiro for vítima de um crime.
* Não têm direito à visita íntima na prisão (visitas autorizadas por grande parte do Judiciário).
* Não acompanham a parceira no parto.
* Não podem autorizar cirurgia de risco.
* Não podem ser curadores do parceiro declarado judicialmente incapaz (grande parte do Judicíario admite o exercício da curatela pelo parceiro, mas não é possível que este promova a interdição).
* Não podem declarar parceiro como dependente do Imposto de Renda (IR).
* Não fazem declaração conjunta do IR.
* Não abatem do IR gastos médicos e educacionais do parceiro.
* Não podem deduzir no IR o imposto pago em nome do parceiro.
* Não dividem no IR os rendimentos recebidos em comum pelos parceiros.
* Não são reconhecidos como entidade familiar, mas sim como sócios.
* Não têm suas ações legais julgadas pelas varas de família. (questão em fase de mudança jurisprudencial)
[2] Números compilados pelo GGB, com base documental baseada em relatos publicados na imprensa e relatos, em todo o país. O país é considerado campeão mundial em números absolutos de assassinados motivados por homofobia.
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