quinta-feira, agosto 19, 2010

Diretor do Departamento de Aids, Dirceu Greco, afirma que estoques de antirretrovirais foram aumentados para evitar outros desabastecimentos

19/08/2010 - 12h10


O infectologista e doutor em medicina tropical Dirceu Greco assumiu a Direção do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde no mês passado.

Em entrevista à Agência de Notícias da Aids, ele disse que não é possível garantir que “nunca mais haverá desabastecimento de medicamentos”, mas afirmou que os estoques de antirretrovirais estão cada vez maiores para evitar problemas.

Greco respondeu também a perguntas de ativistas de três estados. Segundo ele, há necessidade de mais esforços na prevenção do HIV entre os homens que fazem sexo com homens e novas parcerias com a sociedade civil. Leia a seguir a entrevista na íntegra.


Mário Scheffer, Grupo Pela Vidda, de São Paulo - Os homossexuais masculinos têm uma prevalência do HIV 17 vezes maior do que a população em geral. O Departamento prevê novas políticas de prevenção nesse público? Também quero saber se o Dr. Dirceu Greco acredita que apenas políticas de Direitos Humanos são suficientes para enfrentar a aids.

Dirceu Greco - O Brasil realmente tem uma epidemia concentrada. O Departamento tem uma atividade intensa na área de prevenção com homens que fazem sexo com outros homens. Quando aparece uma pesquisa onde mostra maior prevalência, temos que direcionar mais esforços sem perder as perspectivas que o HIV não tem preferência. O Ministério está analisando quais são as medidas necessárias para enfrentar a epidemia. Não há falta de verba ou de vontade e vamos trabalhar essa questão junto com as ONGs.

Em relação aos Direitos Humanos, eles são uma condição sine qua non para cuidar de qualquer situação. É fácil para eu falar, ainda mais agora que entrei como diretor, mas isso é uma condição desde quando o Departamento era o Programa Nacional de DST/Aids. Lutar contra a discriminação sempre foi um papel concreto. Mas, evidementente não é o suficiente. A luta contra a homofobia e a discriminação acontece o tempo todo, mas o que vai ajudar realmente a mudar as perspectivas é o programa Saúde nas Escolas, que vai controlar essas situações gradualmente.


Agência Aids – O Programa Conjunto das Nações Unidas para o HIV/Aids (Unaids) divulgou recentemente um relatório dizendo que o Brasil gasta apenas 7% das verbas de aids para a prevenção. O que o senhor pensa sobre essa crítica?

Dirceu – A questão de porcentagem é muito complicada. Quando se tem 100% e tira os 7%, parece que é pouco. Mas, no total de investimentos, em volume de recursos financeiros, é muito alto. Evidentemente tem um tanto que é de medicamento – R$ 600 milhões. Se compararmos com outros países, estamos em um patamar alto. Há um equívoco nessa interpretação.


José Araújo Lima, Espaço de Prevenção e Atenção Humanizada, de São Paulo – Algumas áreas do Departamento de Aids, como a da prevenção, por exemplo, estão superadas pelo tempo. O sr. tem alguma proposta de renovação na atual política?

Dir ceu – Não vou concordar que estão superadas. O caminho está trilhado e avaliamos o que o Departamento representa hoje para a estrutura de saúde e prevenção, tanto interna quanto externamente, e a resposta está dada. Claro que meu papel enquanto diretor vai ser melhorar o que for possível, incentivar o que puder, e com certeza, volto a repetir, em parceria com a sociedade civil.


Jair Brandão, Rede Nacional de Pessoas vivendo com HIV e Aids e ONG Gestos, de Pernambuco - No Brasil existe uma lei que garante acesso universal ao tratamento. Mas, até hoje, sofremos com a pactuação de medicamentos das DSTs e outras doenças oportunistas. Os Estados e municípios não cumprem com essa pactuação. O que o senhor acha que pode ser feito para minimizar esse problema?

Dirceu – A parte mais importante do tratamento, os antirretrovirais, tem a compra centralizada no Ministério da Saúde. Em relação aos outros medicamentos, existem os Conselhos Municipais de Saúde de cada cidade. O de Recife é bem estruturado. Todos esses locais contam com representações de gestores e da sociedade civil como espaço de articulação e de pressão política, talvez a melhor maneira de conseguir garantir direitos. Claro que, no que pudermos fazer, a sociedade civil pode contar com nosso apoio.


Agência Aids –
A política brasileira de aids aparece como destaque na campanha política da sucessão presidencial. O Serra, durante vários momentos, levanta que quando foi ministro da Saúde, o programa de aids avançou muito. O pessoal da campanha da Dilma diz que vai bater um pouco nisso. O que o senhor acha da aids estar no centro dessas discussões?

Dirceu – Se entrar na discussão de todos os candidatos, traz à tona a discussão sobre a epidemia e isso é um lado positivo da história. Como diretor do Departamento, pertenço ao Estado e não vou entrar em detalhes para polemizar. Mas o que pode dizer melhor é a história com datas. Vale lembrar que o Departamento, antes chamado de Programa Nacional de DST/Aids, foi estabelecido em 1985. Em 1996, foi quando o programa brasileiro passou a obedecer uma lei federal dizendo que o medicamento antirretroviral era para todos. Tudo isso aconteceu antes do que os candidatos estão colocando em vista. O programa passou por todos os governos, e é aquilo que a gente almeja: uma política de Estado. Não é de ninguém, é de todo mundo.


Agência Aids – O senhor disse que o programa de combate à aids é do Brasil. O senhor acha correto os candidatos tentarem se apropriar do programa?

Dirceu –
Posso dizer o lado positivo disso outra vez. Não é meu papel analisar falas corretas de candidatos ou não. A direção desse Departamento, independente do que eles falarem, vai funcionar bem porque o programa funciona bem. O que eu digo é só o seguinte: o Departamento começou em 1985, muito antes das discussões que os quatro candidatos estão mantendo. Cada um deles, mesmo falando uma versão, está se comprometendo a manter o processo, o que já um lado positivo.


Agência Aids – O senhor acha ético tentarem usar o programa de aids no horário eleitoral gratuito, em uma campanha?

Dirceu –
Claro que é. O ideal é falar o tempo inteiro, não só do programa de HIV/aids, mas sobre hepatites, sífilis, dengue... Quanto mais falar sobre isso, mais questionamentos como este vão existir e mais discussões vão acontecer. Nosso papel como cidadãos é colocar esse processo em discussão o tempo inteiro.

Hoje, o risco que a gente tem com o HIV é o seguinte: aparentemente, o problema da aids está resolvido no nosso País e não está. A história do abacavir é um exemplo. A prevenção também - se um grupo como o homossexual está com 10% ou 12% de prevalência, o problema está sob controle, mas não está resolvido.


Agência Aids – O Brasil passou recentemente por uma crise de desabastecimento de alguns medicamentos, principalmente o abacavir. Como o senhor pretende proteger o País ainda mais desse problema, principalmente com os remédios importados?

Dirceu –
Independente de qual medicamento seja, o papel nosso aqui é ficar sempre atento para que a situação não se repita. Algumas coisas são impossíveis de falar ‘nunca mais vai acontecer’. Começamos a aumentar a parte de estocagem. No exemplo mais recente, no caso do abacavir, acabamos tendo um estoque muito mais prolongado apesar do número de pessoas em utilização ter diminuído.

Em relação aos outros remédios, isso é feito constantemente. E o cuidado não são só dos que são importados, mas dos fármacos nacionais também. Tivemos reuniões recentes com as grandes indústrias nacionais oficiais, como a FURP (Fundação para o Remédio Popular), a Farmaguinhos (laboratório da Fundação Oswaldo Cruz) e Lafepe (Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco). A cada reunião com eles, é avaliado como está o processo de estocagem e de produção. A minha expectativa é que esse risco se torne cada dia menor. Espero que esta tenha sido a última vez.

Só para lembrar que já houve problemas anteriores, algumas vezes por falhas de fornecimentos de insumos, no embalo e na importação. Essa do abacavir chegou ao ponto de ter problemas por causa da erupção do vulcão lá na Islândia.

Se algum dia faltar um preservativo, claro que é problema; um teste de CD4 idem. Mas, a falta de medicamento é um problema absolutamente grave. Esse cuidado está sendo feito. É bom lembrar que orçamento está sendo mantido para isso.


Roberto Chateubriand, Grupo de Apoio à Prevenção à Aids (GAPA), de Minas Gerais – Como garantir as novas tecnologias para prevenção aos cidadãos, como por exemplo a profilaxia pós-exposição?

Dirceu –
Essa discussão é internacional, não somente brasileira. No Brasil há a distribuição de 400 milhões de preservativos com gel. Esses insumos vão ser cada vez mais o mecanismo primário de prevenção, não só para o HIV, mas para todas as doenças sexualmente transmissíveis.

Quando falamos em profilaxia pós-exposição, prevenção por via medicamentosa, a abordagem é apenas contra o HIV. Na questão de acidentes com agulhas e estupro, a questão já está bem resolvida. O restante das discussões está em andamento. O Ministério, em tudo que é feito nessas mudanças, trabalha junto com os experts. No consenso atual, essa discussão está ocorrendo. Quando é que vamos pactuar, como vai ser isso, se vale a pena, os riscos, se isso banalizar a prevenção, tudo isso está em discussão. Estamos atentos às decisões mundiais e adaptando ao Brasil, como sempre tem acontecido.

Redação da Agência de Notícias da Aids

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