sábado, julho 03, 2010

Neonazistas desdenham a seleção de futebol alemã devido à sua diversidade étnica


Siobhán Dowling
UOL

A maior parte do país pode estar tomada pela febre do futebol, mas existe um grupo de alemães que não está apoiando a seleção nacional. A extrema direita rejeita o novo esquadrão futebolístico multicultural, afirmando que ele é “anti-alemão”, e afirma que não é capaz de se identificar com o time. Para muitos, essa posição é consistente com a sua rejeição do Estado democrático em sua totalidade.

“Eu não consigo mais me identificar com a seleção nacional de futebol”, escreve um indivíduo que se identifica com Blaue Narzisse, explicando por que não está torcendo pela Alemanha na Copa do Mundo. “As cores preto, vermelho e amarelo estão sendo abusadas neste megaevento por esse time alemão multicolorido”. Esse é um sentimento frequentemente reafirmado atualmente em todo o espectro da extrema direita alemã.

A Alemanha pode estar tomada pelo preto, o vermelho e o amarelo, já que a bandeira nacional adorna carros, varandas e bares. Mas enquanto a maior parte do país está estimulando o time, que enfrentará a Argentina neste sábado em um jogo pelas quartas de final, para os neonazistas é quase impossível apoiar uma equipe que inclui jogadores que têm sobrenomes como Boateng, Özil ou Podolksi. Essa seleção nacional alemã é a mais etnicamente diversificada da história, e ela é comemorada por muitos como sendo finalmente um time representativo da sociedade alemã de forma mais ampla. Mas, para a extrema direita, uma equipe na qual 11 dos 23 jogadores convocados têm uma história de imigração não é mais um time realmente alemão.

“Eu espero que essa seleção seja eliminada o mais rapidamente possível”, escreve um comentarista no fórum thiazi.net. “Ou pelo menos que eles não sejam campeões mundiais com uma equipe na qual 50% dos jogadores são estrangeiros!”.
Um indivíduo que adota o pseudônimo de Nationaler Democrat, escreve em um outro site: “Esse grupo multicultural com o rótulo de 'seleção nacional' não me interessa mais”.

“Por mim, Özil, Khedira, Cacau, Podolksi podem se jogar em um lago. Nós não precisamos deles. Os outros são bons o suficiente”, escreve NSRealist.

“Isso perturba a visão de mundo dessa gente”

Alguns dos extremistas estão um pouco divididos no que se refere a esta Copa do Mundo. Eles gostariam de torcer por uma seleção alemã, mas simplesmente não desejam que um jogador que tenha um sobrenome estrangeiro faça gols. “Eu certamente não torcerei por um gol de Cacau! Mas eu jamais abrirei mão de Neuer, Lahm, Schweinsteiger... Porque eu amo de fato a Alemanha!”.

E, embora Thomas Müller possa ser atualmente o artilheiro da Alemanha, com três gols marcados, Lukas Podolksi e Miroslav Klose, ambos nascidos na Polônia, marcaram dois cada um, e foi Mesut Özil, um meio de campo de descendência turca, que garantiu com um gol contra Gana que a seleção alemã avançasse na Copa do Mundo.

“Os neonazistas odeiam esta nova seleção alemã porque ela perturba totalmente toda a visão de mundo deles”, disse a “Spiegel Online” o historiador Detlev Claussen, da Universidade de Hanover. “Eles desejam que as seleções nacionais se baseiem em uma pureza étnica. Mas, na verdade, a Alemanha tem sido há muito tempo um país com muita diversidade e imigração maciça, um fenômeno de mais de um século; o que ocorreu foi que demorou muito tempo para que a seleção alemã se adaptasse a essa realidade”.

Jonas Gabler, um pesquisador especializado em extrema direita e futebol, concorda que a nova seleção nacional multicultural faz com que seja extremamente difícil para os extremistas de direita se identificar com ela. “A seleção é uma expressão da nova compreensão deste país, algo que a extrema direita não aceita de jeito nenhum”, disse ele a “Spiegel Online”. “A cidadania não se baseia na origem étnica de um indivíduo, mas sim na constituição. Para que um indivíduo seja alemão, é suficiente que ele aceite a Lei Básica da Alemanha. E isso é algo que a extrema direita encontra uma enorme dificuldade em aceitar”.

Esse sentimento é ecoado no website de extrema direita Deutscher Standpunkt: “Esse time não é uma seleção nacional alemã, e essas pessoas de pele escura podem ser a República Federal da Alemanha, mas elas não são a Alemanha. Elas não são altas e louras, mas sim negras, pardas, fracas e muçulmanas. Que progresso!”, dispara o artigo. “De fato, ninguém pode se tornar alemão. Ou o indivíduo é racialmente alemão ou não. Esses novos cidadãos da República Federal da Alemanha são e continuarão sendo estrangeiros”.

“Não à bandeira nacional!”

Claussen observa que os neonazistas mais radicais jamais apoiaram de fato o Estado democrático alemão. Consequentemente, eles rejeitam a seleção nacional. “Ser nazista não significa apoiar a Alemanha. Os nazistas desejam a dominação mundial, e o nacional socialismo sempre foi supranacional”, argumenta Claussen. Ele argumenta que é isso que muita gente da esquerda que se sente desconfortável em relação à bandeira alemã não consegue entender: o fato de que a extrema direita rejeita tudo o que a bandeira representa.

Gabler concorda: “Para os verdadeiros neonazistas, que se identificam com o nacional socialismo, as cores preto, vermelho e amarelo são, então, algo com o qual eles não podem se identificar. E eles tampouco conseguem se identificar com a seleção nacional alemã”.

Uma mensagem de um certo Frei Netz Köln em um website de extrema direita explicita esse fato: “A bandeira preta, vermelha e amarela que está vinculada à República Federal da Alemanha não é a bandeira da nação alemã! Quem quer que agite orgulhosamente essa bandeira está apoiando exatamente o oposto daquilo que é realmente alemão e nacional”.

Mesmo assim, Gabler argumenta que há muita gente que se considera nacionalista ou nacional-conservadora, mas que, a despeito disso, se identifica com a seleção nacional de futebol alemã – essas pessoas só não se identificam com aqueles jogadores que eles consideram estrangeiros.

Ele afirma que essa opinião é compartilhada por uma “minoria silenciosa que não é insignificante” na Alemanha. Elas acreditam que, em uma verdadeira seleção alemã, somente pessoas que têm raízes alemãs deveriam estar jogando.

Ele cita um artigo que foi publicado no jornal de grande tiragem “Bild”, que observou quais jogadores cantaram o hino nacional, e que descobriu que, dentre aqueles que têm raízes estrangeiras, somente Klose entoou o hino. “Surgiram então vários comentários na Internet falando sobre como nós não precisamos de fato de pessoas como Özil”, diz Gabler, acrescentando que esse ponto de vista não se restringe à extrema direita.

Aproveitando uma grande reserva de talentos

Claussen argumenta que a Federação Alemã de Futebol (Deutscher Fußball-Bund, ou DFB) foi bastante reacionária no passado, mas, após o mau desempenho da seleção alemã no Campeonato Europeu de 2004, procurou tornar mais fácil a participação de imigrantes na equipe. “A federação deu uma guinada de 180 graus”, argumenta Claussen. “E passou a apostar tudo no multiculturalismo”.

Gabler argumenta, entretanto, que a nova legislação aprovada no início na década de noventa e, novamente, no início desta década, facilitando a obtenção da cidadania alemã, também desempenhou um grande papel neste fenômeno. “Os vários jogadores imigrantes simplesmente não podiam jogar na Alemanha porque não contavam com o direito a um passaporte”, diz ele. “As mudanças das regras para a obtenção da cidadania abriram o caminho para que a DFB aproveitasse a grande reserva de talentos no país. “A federação percebeu que havia deixado jogadores com um enorme potencial irem embora”.

Claussen considera Özil, nascido na Alemanha, mas de raízes turcas, uma encarnação da realidade multicultural na sociedade alemã. Ele conta uma história para ilustrar a mudança que está ocorrendo na Alemanha:

“Eu estava em uma loja local no dia seguinte ao jogo com Gana, e um velho alemão do tipo teutônico, de olhos azuis e cabelos grisalhos, entrou e, apontando para o jornal “Bild” que trazia a foto de Mesut Özil na primeira página, declarou: 'Um turco nos salvou'. O dono da loja olhou calmamente para ele e retrucou: 'Esse aí não é um turco. Ele é um alemão'”.

http://noticias.bol.uol.com.br/internacional/2010/07/03/neonazistas-desdenham-a-selecao-de-futebol-alema-devido-a-sua-diversidade-etnica.jhtm

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